Desde a existência de microorganismos observou-se a relação destes com o desenvolvimento de doenças. Nesse
sentido, falar que a infecção por um parasito talvez venha a ter efeitos benéficos
no tratamento de doenças como o câncer soa bastante estranho. Ainda mais se esse parasito for o Toxoplasma gondi. Num
primeiro momento, isso parece improvável, pois até então a única relação
observada entre o câncer e T. gondii seria o desenvolvimento de toxoplasmose cerebral, retinocoroidite induzida por imunossupressão. No entanto, se a ideia for vista
do ponto de vista da resposta imune, não
é todo, estranha.
O
parasito intracelular T.gondii infecta
células dendríticas e induz uma resposta polarizada para o padrão Th1, com
produção acentuada das citocinas IFN-gamma e IL-12. Já o câncer um microambiente imunossuprimido diminui possíveis respostas efetoras. Nesse
sentido, é recorrente na clinica, no tratamento de tumores, o uso de IFN-gamma,
devido a sua capacidade de desencadear
mecanismos citostáticos, citotóxicos e antitumorais.
Por sua vez, IL-12 também pode ser utilizada na imunoterapia contra tumores por induzir resposta de padrão Th1, diferenciação de células T, reprogramação de células disfuncionais
associadas ao tumor, ativação de células NK e
macrófagos M1, e o mais importante, recrutar células CD8+
capazes de combater a neoplasia. Nesse contexto, será que a infecção
de uma célula tumoral com o T. gondii
seria capaz de gerar benefícios secundários associados à produção de IFN-gamma
e IL-12? Se sim, como poderia ser
feita uma infecção de forma que ela fosse seletiva para ativação do sistema
imune sem causar os prejuízos típicos associados à replicação do parasito? Uma
cepa avirulenta não replicativa de T.
gondii com características auxotróficas (cuja via metabólica funcional depende da
presença de determinada substância) parece ser uma boa
solução.
No
ano 2002 foi descrita uma cepa de T.
gondii a qual possuía o gene
da carbamoílo fosfato sintetase II (cps) mutado, o que lhe dá
características auxotrofica por depender
do uracilo para replicação (1). Como o uracilo não está
presente em concentração livre significativa
em células de mamíferos, a cepa T. gondii (cps) invade
células hospedeiras normalmente e é
capaz de gerar uma resposta imune, mas não de se replicar
na célula hospedeira.
Assim,
a imunoterapia com a cepa de T. gondii
(cps) já foi testada no tratamento do melanoma (2) e no tumor de ovário (3) no modelo murino, com efeitos favoráveis. A imunoterapia cps
foi dependente de células T CD8+ e células NK, sendo que o sucesso do tratamento
é independente da presença de células T CD4+. Células dendríticas CD11c+ presentes no ambiente
tumoral foram invadidas pelo T. gondii (cps) e assim,
convertidas em fenótipos imuno-estimuladores.
Após do tratamento estas células expressaram níveis elevados das moléculas de co-estimulação CD80 e
CD86 e consequentemente, capacidade de desencadear uma potente resposta antitumoral das células T
CD8+. Nenhuma toxicidade foi vista e,
portanto, o valor potencial desta
terapia para despertar a imunidade
natural no microambiente altamente
imunossupressor dos tumores sólidos parece ser existente e bastante viável.
Nesse
contexto, é interessante notar como organismos potencialmente perigosos para
nossa saúde podem, sob diferentes abordagens, ser úteis se conseguirmos
levá-los a trabalhar em nosso beneficio, oferecendo alternativas para a solução
de problemas, como neste caso, onde se conseguiu estabelecer uma relação entre parasitologia,
imunologia e oncologia.
Referencias
3. Baird
JR, Fox BA, Sanders KL, Lizotte PH, Cubillos-Ruiz JR, Scarlett UK, et al.
Avirulent Toxoplasma gondii generates therapeutic antitumor immunity by
reversing immunosuppression in the ovarian cancer microenvironment. Cancer research. 2013;73(13):3842-51. Epub 2013/05/25.
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