As estratégias utilizadas
pelo hospedeiro na defesa contra patógenos compreendem os mecanismos de:
prevenção: relacionado à redução do risco de exposição aos agentes infecciosos;
resistência: associada à detecção e posterior eliminação do patógeno pelos
componentes do sistema imune; e tolerância: que objetiva a diminuição do
impacto negativo ocasionado pelo patógeno e/ou pela resposta imune exacerbada
no hospedeiro (por ex.: dano tecidual).
O conceito de tolerância
como uma estratégia de defesa do hospedeiro foi bastante explorado no trabalho
de Medzhitov
et al de
2012 e vale a pena a leitura! Nesse sentido, sabe-se que órgãos vitais como o
pulmão possuem baixa capacidade de tolerância e, portanto, danos nestes tecidos
podem diminuir a sobrevida do hospedeiro. O pulmão também é considerado um dos
locais de infecção mais comum durante a sepse, que, por sua vez, ocorre
principalmente devido a infecções bacterianas secundárias precedidas por
infecções virais.
De maneira geral, a infecção
viral, especificamente por Influenza A, está relacionada à supressão da
resposta imune, o que propicia a proliferação subsequente de bactérias e
diminui a sobrevida do hospedeiro. Neste caso, portanto, pode-se associar a
morbidade e mortalidade em doenças infecciosas devido a uma falha na
resistência do hospedeiro, mas também pode ocorrer uma falha no mecanismo de
tolerância.
O que faltava era um modelo
capaz de discriminar a capacidade do hospedeiro de detectar e eliminar um
patógeno (resistência) e a habilidade de manter a homeostasia frente a uma
determinada carga de patógeno (tolerância). Em modelos anteriores de co-infecção,
os animais sucumbiam devido à alta carga bacteriana e disseminação sistêmica,
ou seja, falha na resistência. Para avaliar o papel da tolerância na
co-infecção, o grupo de Medzhitov (Jamieson, A. M., L. Pasman, et al. (2013))
criou um modelo de co-infecção Influenza-Legionella
pneumophila com doses subletais no qual não houvesse alteração na carga
bacteriana ou viral no decorrer da co-infecção. Nesse modelo, os animais foram
infectados por via intranasal com influenza e depois de três dias co-infectados
com L. pneumophila. Houve 100% de
morte dos animais em menos de 10 dias. Para descartar a influência da
resistência na mortalidade e morbidade, foram utilizadas cepas atenuadas da
bactéria, o que não alterou a cinética de mortalidade. Assim, o crescimento
bacteriano ou sua virulência não eram requeridos para os efeitos de alta
mortalidade nesse modelo de co-infecção, o que confirmou que a letalidade não
era causada pela falha da resistência imune.
O próximo passo foi avaliar
se a mortalidade estava associada com uma excessiva resposta inflamatória. Através
do uso de diversos animais “knockouts” de vias inflamatórias relacionadas à
resposta ao vírus e/ou a bactéria, a depleção de neutrófilos ou NK, os autores
mostraram que a co-infecção ainda resultava na mesma cinética de mortalidade
observada nos animais selvagens. Assim, uma excessiva resposta inflamatória
também não era a causa de morte observada nesse modelo. Ainda, a utilização de
animais imunodeficientes (TLR2-/-TLR4-/-) e cepas
bacterianas altamente atenuadas não alterou a mortalidade desse modelo.
Então, se a resistência não
está envolvida na mortalidade associada à co-infecção, o cenário alternativo seria
que o hospedeiro não está sendo capaz de tolerar o dano epitelial resultante da
co-infecção. De fato, o pulmão dos animais co-infectados estavam com necrose
epitelial aumentada, comparado com os animais com infecção única, e genes
envolvidos na proteção e reparo tecidual estavam com expressão diminuída. A
administração de anfiregulina, um fator de crescimento epitelial que atua na
manutenção da homeostase pulmonar durante a infecção pelo vírus da influenza,
em animais Tlr2-/-Tlr4-/- co-infectados com o vírus da
influenza e L. pneumophila
severamente atenuada teve um efeito atenuante no dano epitelial pulmonar, com
melhora na sobrevivência sem qualquer efeito na carga viral ou bacteriana.
Assim, o estudo demonstra
que a tolerância pode determinar o resultado de uma infecção de maneira
independente da resistência, e que ambas podem contribuir com a morbidade e
mortalidade na infecção. Por fim, a tolerância se estabelece como uma
estratégia do hospedeiro que pode ser alvo de propostas terapêuticas.
Figura 1. Relação patógeno-hospedeiro em
infecções. Os patógenos podem causar dano direto ao hospedeiro, que por sua vez
controla a infecção via mecanismos de resistência. A resposta imune pode
danificar o tecido do hospedeiro (imunopatologia) assim como o patógeno, e esse
quadro pode ser amenizado pelos mecanismos de tolerância. (adaptado de Medzhitov et al, 2012).
Post de Felipe Fortino e Luana Soares (Doutorandos FMRP-USP-IBA)
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