domingo, 3 de novembro de 2013

JOURNAL CLUB IBA: RESISTÊNCIA VERSUS TOLERÂNCIA NA CO-INFECÇÃO VÍRUS-BACTÉRIA



As estratégias utilizadas pelo hospedeiro na defesa contra patógenos compreendem os mecanismos de: prevenção: relacionado à redução do risco de exposição aos agentes infecciosos; resistência: associada à detecção e posterior eliminação do patógeno pelos componentes do sistema imune; e tolerância: que objetiva a diminuição do impacto negativo ocasionado pelo patógeno e/ou pela resposta imune exacerbada no hospedeiro (por ex.: dano tecidual).
O conceito de tolerância como uma estratégia de defesa do hospedeiro foi bastante explorado no trabalho de Medzhitov et al de 2012 e vale a pena a leitura! Nesse sentido, sabe-se que órgãos vitais como o pulmão possuem baixa capacidade de tolerância e, portanto, danos nestes tecidos podem diminuir a sobrevida do hospedeiro. O pulmão também é considerado um dos locais de infecção mais comum durante a sepse, que, por sua vez, ocorre principalmente devido a infecções bacterianas secundárias precedidas por infecções virais.
De maneira geral, a infecção viral, especificamente por Influenza A, está relacionada à supressão da resposta imune, o que propicia a proliferação subsequente de bactérias e diminui a sobrevida do hospedeiro. Neste caso, portanto, pode-se associar a morbidade e mortalidade em doenças infecciosas devido a uma falha na resistência do hospedeiro, mas também pode ocorrer uma falha no mecanismo de tolerância.  
O que faltava era um modelo capaz de discriminar a capacidade do hospedeiro de detectar e eliminar um patógeno (resistência) e a habilidade de manter a homeostasia frente a uma determinada carga de patógeno (tolerância). Em modelos anteriores de co-infecção, os animais sucumbiam devido à alta carga bacteriana e disseminação sistêmica, ou seja, falha na resistência. Para avaliar o papel da tolerância na co-infecção, o grupo de Medzhitov (Jamieson, A. M., L. Pasman, et al. (2013)) criou um modelo de co-infecção Influenza-Legionella pneumophila com doses subletais no qual não houvesse alteração na carga bacteriana ou viral no decorrer da co-infecção. Nesse modelo, os animais foram infectados por via intranasal com influenza e depois de três dias co-infectados com L. pneumophila. Houve 100% de morte dos animais em menos de 10 dias. Para descartar a influência da resistência na mortalidade e morbidade, foram utilizadas cepas atenuadas da bactéria, o que não alterou a cinética de mortalidade. Assim, o crescimento bacteriano ou sua virulência não eram requeridos para os efeitos de alta mortalidade nesse modelo de co-infecção, o que confirmou que a letalidade não era causada pela falha da resistência imune.
O próximo passo foi avaliar se a mortalidade estava associada com uma excessiva resposta inflamatória. Através do uso de diversos animais “knockouts” de vias inflamatórias relacionadas à resposta ao vírus e/ou a bactéria, a depleção de neutrófilos ou NK, os autores mostraram que a co-infecção ainda resultava na mesma cinética de mortalidade observada nos animais selvagens. Assim, uma excessiva resposta inflamatória também não era a causa de morte observada nesse modelo. Ainda, a utilização de animais imunodeficientes (TLR2-/-TLR4-/-) e cepas bacterianas altamente atenuadas não alterou a mortalidade desse modelo.
Então, se a resistência não está envolvida na mortalidade associada à co-infecção, o cenário alternativo seria que o hospedeiro não está sendo capaz de tolerar o dano epitelial resultante da co-infecção. De fato, o pulmão dos animais co-infectados estavam com necrose epitelial aumentada, comparado com os animais com infecção única, e genes envolvidos na proteção e reparo tecidual estavam com expressão diminuída. A administração de anfiregulina, um fator de crescimento epitelial que atua na manutenção da homeostase pulmonar durante a infecção pelo vírus da influenza, em animais Tlr2-/-Tlr4-/- co-infectados com o vírus da influenza e L. pneumophila severamente atenuada teve um efeito atenuante no dano epitelial pulmonar, com melhora na sobrevivência sem qualquer efeito na carga viral ou bacteriana.
Assim, o estudo demonstra que a tolerância pode determinar o resultado de uma infecção de maneira independente da resistência, e que ambas podem contribuir com a morbidade e mortalidade na infecção. Por fim, a tolerância se estabelece como uma estratégia do hospedeiro que pode ser alvo de propostas terapêuticas.



Figura 1. Relação patógeno-hospedeiro em infecções. Os patógenos podem causar dano direto ao hospedeiro, que por sua vez controla a infecção via mecanismos de resistência. A resposta imune pode danificar o tecido do hospedeiro (imunopatologia) assim como o patógeno, e esse quadro pode ser amenizado pelos mecanismos de tolerância. (adaptado de Medzhitov et al, 2012).

Post de Felipe Fortino e Luana Soares (Doutorandos FMRP-USP-IBA)
 


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