Sabemos
desde as nossas aulas mais básicas de Imunologia que os anticorpos neutralizam uma
infinidade de patógenos extracelulares. Sua função seria de opsonização,
impedindo o contato entre receptores do patógeno e da membrana celular e a
infecção da célula. Porém, apesar de ser um fato já cristalizado nos principais
livros de Imunologia, pouco sabemos sobre os eventos que acontecem dentro das
células que reconhecem patógenos
neutralizados por anticorpos e muitas questões levantadas há décadas ainda
permaneciam sem resposta, como por exemplo:
1)
Como os
anticorpos neutralizam um virus que já está acoplado a membrana (mas não
internalizado?) (neutralização pós-absortiva) (Vrijsen et al., 1993);
2) Por que a neutralização mediada
por anticorpos depende do tipo celular? (Kjéllen, 1985);
3) Por que um único anticorpo
acoplado ao patógeno é suficiente para neutralizá-lo? (Wohlfart, 1988);
4) Por que o domínio Fc do
anticorpo é necessário para seu efeito neutralizante? (Keller, 1968);
5) Por que o IFN aumenta a
capacidade de neutralização do anticorpo? (Langford et al., 1983).
Nesse
sentido, o trabalho de McEwan
et al., 2013 vem esclarecer eventos que ocorrem no espaço intracelular
quando anticorpos ligados a patógenos são
detectados. Os autores previamente mostraram que uma proteína da família das E3
ubiquitina ligases, chamada TRIM21, era capaz de sentir a presença de anticorpos
ligados a partículas virais e possuía alta afinidade pela região Fc dos
anticorpos. Em 2010, o grupo mostrou que o reconhecimento de Adenovirus ligado
a Anticorpo (Adv-Ac) por TRIM21 era capaz de ativar a formação de cadeias de
poliubiquitina, ligadas na região da Lisina 48 (K48), que tinham a função de
marcar os complexos Adv-Ac para degradação no proteassoma (Mallery et al., 2010). Estes
resultados revelaram um braço intracelular da imunidade adaptativa em que a
proteção mediada por anticorpos não terminaria na membrana celular, mas
continua no interior da célula para fornecer uma última linha de defesa contra
a infecção.
Além da
degradação viral via proteassoma, McEwan e colaboradores
(2013) mostraram que a molécula TRIM21 funciona também como sensor para o
complexo Adenovirus-Anticorpo (Adv-Ac) com capacidade de induzir sinalização e
ativação celular. Eles demonstraram que após esse reconhecimento, TRIM21 era
capaz de catalisar a formação de cadeias de poliubiquitina ligadas na região da
Lisina 63 (K63), as quais são conhecidas por ativar vias específicas de
kinases, como a via do TAB-TAK1-TAK2 e IKKα-IKKβ-NEMO, responsáveis pela
ativação dos fatores de transcrição NFκ-B, AP-1 e IRF. Esta ativação dependente
de TRIM21 foi capaz de, por si só, estimular a produção de citocinas
pró-inflamatórias, modular a expressão de ligantes de células NK e induzir um
estado antiviral. Os autores demonstraram também que a sinalização via TRIM21
não era patógeno-dependente, já que ativação similar foi vista quando foram
utilizados vírus não-envelopados, bactérias intracelulares ou mesmo beads de
látex recobertas por anticorpos.
Compreender
os eventos posteriores à entrada desses complexos imunes nas células e as vias
de sinalização envolvidas nesse reconhecimento podem ser muito úteis no
entendimento e fabricação de vetores virais utilizados para tratamento de
certas doenças, como na infecção pelo HIV, assim como na modulação dessa via, a
fim de se obter melhores resultados no direcionamento da resposta imune.
Figura: TRIM21 medeia a
detecção intracelular de patógenos ligados a anticorpos, induzindo sinalização
e ativação celular.
Fonte:
McEwan WA, Tam JC, Watkinson RE, Bidgood SR, Mallery DL, James LC.
Intracellular antibody-bound pathogens stimulate immune signaling via the Fc
receptor TRIM21. Nature
immunology 2013,
14(4): 327-336.
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