Por Gabriel Shimizu Bassi (FMRP-USP)
Não é incomum
encontrar pessoas que já tenham escutado o termo “Distúrbio Bipolar” (DB). Em
linhas gerais, consiste de episódios alternantes rápidos (dias) entre sintomas
maníacos e depressivos. É aquele indivíduo que de estados de profunda depressão
alterna para euforia intensa (fase maníaca), seguido de nova depressão
(ciclagem do DB). Seu tratamento é puramente sintomático (pois não se sabe ao
certo sua causa), e a dose medicamentosa é muito variável, sendo muito comum o
uso do elemento químico lítio como estabilizador de humor (também utilizado na
prevenção de suicídio).
Curiosamente,
pouco se sabe sobre os efeitos do lítio no organismo. O que se sabe é que os
íons Li+ substituem os íons Na+ no momento
da ativação celular e efetuam uma variedade de alterações em enzimas, cascatas
de sinalização e cromossômicas. O lítio ativa cascatas de proteínas (tais como Bcl-2 e a via Wnt) que
protegem os neurônios, inibe a glicogênio sintase
kinase 3 (GSK-3) e modula a sinalização via Akt (Angelucci
et al., 2003, Husum
e Mathe, 2002, Johson
et al., 2001, Miller
et al., 2007). Além disso, o lítio atua na hTERT, uma
proteína que controla a atividade enzimática da telomerase (Hartwig
et al., 2012) e conhecida por manter o comprimento dos telômeros em células
cancerosas (Zhang
et al., 2012).
Estudos mostram
que em alguns distúrbios psiquiátricos, tais como ansiedade fóbica,
esquizofrenia e depressão, é comum encontrar leucócitos com telômeros
encurtados (Wolkowitz
et al., 2011, Okereke
et al., 2012). Esse tipo de encurtamento também está relacionado com a
incidência de episódios depressivos (Simon
et al., 2006), e a uma resposta positiva ao tratamento psiquiátrico da
esquizofrenia (Yu
et al., 2008). Além disso, antidepressivos protegem contra o encurtamento
anormal de telômeros (Wolkowitz
et al., 2012, 2011).
E somente um pequeno estudo com 28 pacientes mostrou uma associação entre DB e
telômeros leucocitários encurtados (Elvsashagen
et al., 2011).
Sabendo-se
desses dados, Martin e
colaboradores (2013) analisaram 789 pacientes diagnosticados com vários
tipos de DB (tipo I ou II, lítio-resistentes e cicladores), coletando amostras
de sangue periférico para determinar o comprimento dos telômeros de leucócitos
por PCR. A partir de um pensamento simples, os autores encontraram 3
associações muito interessantes.
- O tamanho dos telômeros dos leucócitos é proporcional ao tempo de tratamento com lítio (acima de 30 meses);
- O comprimento dos telômeros leucocitários estava reduzido em pacientes de rápida ciclagem. E quanto menor o tamanho dos telômeros, maior o número de episódios depressivos, especialmente em homens;
- O comprimento dos telômeros de leucócitos aumentou em pacientes que respondiam bem ao lítio comparados aos não respondentes.
O estudo traz a
possibilidade de que o encurtamento de telômeros em leucócitos possa ser um
marcador biológico para o DB. Além disso, mostra que o tratamento psiquiátrico
com lítio pode ter seus efeitos em células do sistema imune, as quais podem ser
responsáveis por distúrbios psiquiátricos de alta complexidade. Infelizmente
pouco se sabe sobre os efeitos do lítio sobre células do sistema imune. Devemos
lembrar que monócitos, neutrófilos, basófilos, macrófagos, células dendríticas,
linfócitos e muitas outras células imunes (diferenciadas ou não) estão neste
leque leucocitário estudado.
Quanto ao lítio,
há anos já se estuda a possibilidade de adicioná-lo à água doméstica,
semelhantemente ao flúor, para reduzir casos de suicídio e depressão (1,2).
De tabela poderíamos ter uma redução na incidência de doenças imunes
(auto-imunes?), com restauração da atividade de leucócitos e manutenção dos
telômeros.
Aparentemente
aquela antiga filosofia do mens
sana in corpore sano tenha lá suas verdades. Talvez um mero
anti-inflamatório possa resolver alguns distúrbios mentais (Lotrich e cols.,
2011). E uns antidepressivos possam resolver algumas patologias imunes (Marteli
e cols., 1967; Neveau
e Castanon, 1999).
Fonte:
Martinsson L, Wei Y, Xu D, Melas PA, Mathé AA, Schalling M, Lavebratt C,
Backlund L. Long-term lithium treatment in bipolar disorder is associated with
longer leukocyte telomeres. Transl
Psychiatry. 3: 261-268, 2013.
Muito interessante Gabriel. Essas associações são sempre intrigantes. Difícil é saber nesses casos o que é causa e efeito.
ResponderExcluir