Um dos assuntos que têm
sido bastante discutidos na ciência atual é a microbiota e sua interação com o
hospedeiro. Vários trabalhos têm demonstrado a importância da microbiota na fisiologia
normal ao auxiliar processos como angiogênese, digestão, manutenção da
homeostase epitelial, no metabolismo de gorduras, na resistência à infecções,
entre outros. Por outro lado, alterações da microbiota também têm sido
relacionadas com o desenvolvimento de doenças, como doença inflamatória
intestinal, asma e diabetes (1).
Uma das evidências da
importância da microbiota no sistema imune surgiu a partir de estudos
utilizando camundongos germ-free, nos
quais foram observadas diminuição das Placas de Peyer e linfonodos
mesentéricos, além de menor quantidade de linfócitos T CD4 e T CD8 no
intestino, alterações que contribuem para maior suscetibilidade ou não destes
animais ao desenvolvimento de doenças (2).
Outra observação que destaca a importância da microbiota é a relação da
hipótese da higiene e o aumento na incidência de doenças auto-imunes nos países
desenvolvidos. As doenças autoimunes possuem causas multifatoriais e
desenvolvem-se como resultado de fatores genéticos e ambientais que modulam a
resposta imune do indivíduo. Em várias doenças autoimunes, como no lúpus
eritematoso sistêmico, observa-se maior incidência em mulheres do que em
homens, o que chama atenção para diferenças na resposta imune quanto ao gênero
e a importância dos hormônios nessa resposta. No comentário recentemente
publicado na Science (3),
os autores fazem referência a essa diferença conforme o gênero que também pode
ser notada na composição da microbiota do indivíduo, por isso o termo
“microgenderome”.
Em um artigo
relativamente simples (4),
mas muito conceitual, Markle et al. demonstraram o efeito da relação
bidirecional da interação entre hospedeiro e microbiota com a suscetibilidade
ao desenvolvimento do diabetes mellitus do tipo 1 (T1D). Mais especificamente,
a proteção do T1D foi perdida em camundongos NOD machos quando são expostos às
condições germ-free, sendo este
fenômeno associado à redução dos níveis de testosterona sistêmica. Ainda, de modo
impressionante e revelador, é mostrado no trabalho que em camundongos NOD
machos, agora em condições SPF (Specific
Pathogen Free), o período de maturação sexual promove mudanças drásticas na
composição da microbiota em relação às NOD fêmeas e, que consequentemente, perduram
até a idade adulta e são associadas com a maior incidência de T1D em
fêmeas.
Por meio de manipulação
da microbiota por gavage de componentes cecais, os efeitos protetores da
microbiota comensal no desenvolvimento do T1D podem ser transferidos de NOD
machos para fêmeas que ainda não passaram pela maturação sexual, associados ao aumento
dos níveis de testosterona em fêmeas receptoras, além de um perfil de
componentes do metabolismo dependente de testosterona. O efeito protetor da
manipulação da microbiota é comprometido quando NOD fêmeas submetidas à gavage
são simultaneamente tratadas com bloqueadores do receptor de andrógeno, o que
possibilita reiterar o papel protetor da testosterona no desenvolvimento do T1D
neste modelo experimental.
Assim, estas observações são pioneiras na
demonstração de interações entre a microbiota e produção de hormônios. Como
mostrado no trabalho, elas podem alterar a suscetibilidade e o curso de uma
doença inflamatória. Porém, quando extrapolamos estes dados para seres humanos,
devemos refletir um pouco neste aspecto, pois sabemos que a manipulação da
microbiota em humanos é muito limitada e pode ter vários efeitos adversos.
Deste modo, ainda é difícil imaginar uma estratégia terapêutica viável a partir
destes dados.
Figura
1. Esquema representativo da interação entre microbiota, gênero e doença (Flak
MB et al., 2013)
Post
de Luana Soares e Raphael Sanches Peres – IBA FMRP/USP
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