terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Neospora caninum e seus hospedeiros

Colegas,
alguns cobram que o SBlogI deveria abordar mais o que é feito dentro dos nossos próprios laboratórios, ao invés de comentarmos trabalhos de outros grupos.

Neste sentido, pedi para alguns dos nossos alunos escreverem um texto simples, abordando o contexto que estudamos por aqui, no Laboratório de Imunoparasitologia "Dr. Mário Endsfeldz Camargo", Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal de Uberlândia.

Espero que seja informativo aos demais. Estamos abertos a sugestões/comentários/críticas de vocês.

Abraços, Tiago.





Post por Caroline Mota
Marcela Davoli
Murilo Silva
Patrick Barros 


Neospora caninum é um protozoário intracelular obrigatório, que se assemelha em termos estruturais e em alguns aspectos de sua biologia ao Toxoplasma gondii.  Este protozoário (desconhecido por muitos!) provoca distúrbios neuromusculares em cães, seus hospedeiros definitivos, bem como abortos em bovinos, o que resulta perdas econômicas gigantescas. Para se ter uma ideia, estima-se que as perdas globais provocadas pela neosporose são superiores a US$ 1 bilhão/ano. No Brasil, onde a infecção é largamente negligenciada, bem como nossos mecanismos de controle da população bovina nacional, o prejuízo é estimado em R$ 100 milhões/ano. Contudo, deve-se salientar que temos o maior rebanho bovino comercial do mundo (algo em torno de 220 milhões de animais), o que leva a crer que esta cifra é certamente subestimada.
 No entanto, apesar dos importantes danos que a neosporose pode causar na indústria agropecuária, poucos grupos têm se dedicado ao estudo dos mecanismos imunológicos relacionados à resistência contra N. caninum, com o intuito de se desenvolver uma vacina eficiente, capaz de evitar a infecção primária e a recrudescência do parasito.
            Nesse sentido, nosso grupo (que faz parte dessa minoria...) tem como objetivo determinar o papel dos diversos receptores de reconhecimento de padrão, as cascatas de sinalização intracelulares ativadas, bem como as moléculas efetoras produzidas durante a infecção pelo protozoário, a fim de entender como o parasito é reconhecido, interage e/ou evade o sistema imune, para que assim métodos profiláticos e terapêuticos eficazes possam ser desenvolvidos.
Descrevemos nos últimos anos que receptores do tipo Toll, bem como a molécula adaptadora Myd88, são cruciais para a resistência dos hospedeiros frente à infecção aguda pelo protozoário, uma vez que a ausência dessas proteínas tornam camundongos geneticamente deficientes mais susceptíveis à infecção. Neste sentido, resolvemos investir no estudo de outras classes de receptores inatos.
Receptores tipo Nod, mais especificamente Nod2, bem como receptores de glicídios, como Dectina-1, também parecem participar da resposta inflamatória contra o parasito. Em ambos os casos, animais deficientes para estes receptores e/ou tratados com inibidores químicos específicos para os mesmos mostram-se mais resistentes frente à infecção por N. caninum. Possivelmente, porque a ausência das primeiras proteínas impede uma resposta inflamatória exacerbada frente à infecção, enquanto a ausência do receptor Dectina-1 gera proteção justamente porque o parasito parece utilizar esta molécula como ferramenta para modular a resposta inflamatória gerada pelo hospedeiro.
Além disso, nossos trabalhos também têm evidenciado que esse protozoário ao ativar PI3k e fosforilar p38 em macrófagos infectados,  regula  a resposta imune a seu favor, uma vez que a ausência dessas moléculas durante a infecção induz aumento da resposta pró-inflamatória. Adicionalmente, moléculas efetoras, como NO, não se mostram necessárias apenas no controle e na eliminação de parasitos intracelulares, mas também parecem ser crucias na regulação do perfil de citocinas pró-inflamatórias por macrófagos.
Bem, ainda há muito a ser estudado para que possamos montar o imenso quebra-cabeça dessa interação N.caninum-sistema imune. Então, mãos à obra, né? 


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