domingo, 3 de fevereiro de 2013

Efeito imunorregulador da acetilcolina é devido à inibição de proteínas de adesão leucocitária endoteliais. Simples assim…


E é sempre aquela mesma história controversa: a estimulação do nervo vago leva à imunossupressão por meio da liberação de noradrenalina (NA) no baço, o qual se liga em receptores adrenérgicos β2 em linfócitos T CD44lowCD66High e então liberam acetilcolina (ACh) que se acopla a receptores nicotínicos α7 de macrófagos esplênicos, cuja ativação impede aprodução de TNF, resultando em imunossupressão generalizada (Tracey, 2009; mas ver Bratton et al., 2012).

Apesar de ser um mecanismo plausível (porém sem termos os mecanismos neuroanatômicos da resposta imune certos), o aspecto farmacocinético não se encaixava nessa teoria. O grupo do Kevin Tracey postulava que a liberação de ACh por linfócitos localizados no baço seria suficiente para causar os efeitos imunossupressores sistêmicos. No entanto, a meia-vida da ACh é de somente 2 minutos na corrente sanguínea, o que contrastacom o período de duração dos efeitos antiinflamatórios de mais de 3 horas (dezenas de meias-vidas) após uma única estimulação do sistema colinérgico (via nervo vago).Então, se não é tarefa única e exclusiva da NA neuronial permitir a liberação de ACh por células T esplênicas, quem estaria mantendo essa resposta?

Uma das hipóteses é que a ACh poderia ser produzida a partir de células imunes não esplênicas. Muito do que se estudava anteriormenteerasobre a estimulação do nervo vago, focando o problema exclusivamente nas células do baço (e que seriam as únicas responsáveis pelos efeitos imunossupressores generalizados). Mas sabe-se que outros órgãos têm inervação simpática (vou deixar de lado o controverso problema parassimpático/simpático do nervo vago, mas, nesse contexto, vamos admitir que uma das vias finais do nervo vago libera, indiretamente, NA) (Nance e Sanders, 2007).

Reardon e colaboradores (2013) inicialmente mostraram a presença de colina acetiltransferase (ChAT), enzima que sintetiza a acetilcolina, em células B, macrófagos e células dendríticas. Até aí nada novo, pois vários artigos já tinham relatado a presença de ChAT em várias células do sistema imune (Fujii et al., 1998; Rinner et al., 1998; Kawashita e Fujii, 2000; Kazuo et al., 1999; Kawashima et al., 1998). A novidade é que essa expressão de ChAT nas células B depende da ativação de MyD88 (via TLR) e CD40 e que a expressão da ChAT nas células é temporária, podendo ser reinduzida se houver estímulo apropriado. Esses sinais são providos pela microbiota intestinal, pois encontraram células ChAT positivas originando-se no tecido linfóide associado a mucosas (MALT). Logo, precisamos de um estímulo sustentado para manter o efeito: acabou o estímulo, acabou a liberação de ACh. E talvez seja por isso que até o momento a  ACh (neural ou não) tem efeito somente no sistema imune inato, apesar de estudos mostrarem que a ativação dos TLRs pode ter lá seus efeitos diretos na imunidade adaptativa (Akira et al., 2001; Richardt-Pargmann et al., 2011).

Mas, mesmo sabendo de onde vem a ACh nesse modelo, qual seu mecanismo de immunorregulação? É a cereja do bolo do artigo. Os autores mostraram que a produção de ACh pelas células B inibe a expressão de moléculas de adesão nas células endoteliais por meio da ativação de receptores muscarínicos, sem que haja redução dos níveis de citocinas pró-inflamatórias locais. Simples assim? Simples assim…

E com essa mesma simplicidade (nem tão simples assim) que encontramos o mesmo resultado em experimentos semelhantes aqui no nosso laboratório. Porém foi tão controverso que nos rendeu (e ainda rende) boas discussões e brainstorms dignos das melhores agências de publicidade. Mas no final estávamos todos certos: o baço não é rei, nem a citocina é rainha.

Post de Gabriel Bassi

Reardon, C. et al. 2013. Lymphocyte-derived ACh regulates local innate but not adaptive immunity. Proc. Natl Acad. Sci. 110(4): 1410-1415.

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