Doenças que levam à depressão são
muito comuns nos dias de hoje. Todo mundo já conheceu alguém que tem ou teve
algum sintoma depressivo ou que está em uso de medicamentos para depressão.
Isso se dá não somente pelo aumento das pesquisas relacionadas à area de
psicobiologia e psicofarmacologia, mas também a melhores diagnósticos e acesso
das pessoas a medicamentos e a consultas por profissionais da saúde. Porém, a questão
que surge é se as desordens depressivas
maiores (depressões clínicas) são tão prejudiciais à sobrevivência e reprodução
do indivíduo, por que então as variantes alélicas que promovem essas desordens
não foram eliminadas ao longo da evolução?
Numa belíssima tentativa de
decifrar essa questão, Raison e
Miller (2013) desenvolveram uma hipótese um tanto curiosa, principalmente
por envolver aspectos imunológicos. Os autores supõem que alelos que potencialmente podem levar à depressão se originaram e se
mantiveram no genoma humano devido à sua função complementar (ou integral) na
modulação das respostas comportamentais e imunológicas que promovem a defesa do
hospedeiro contra patógenos. Isto é, sintomas depressivos (como sociofobia,
anedonia, anorexia e insônia) estão correlacionados com aumento da resposta
imunológica a um patógeno (ver comentários abaixo), logo seus alelos variantes
sofreram forte pressão seletiva positiva, mantendo-se no genoma. Então surge a
hipótese da PATHOS-D (Pathogen Host
Defense)
Distúrbios depressivos são
acompanhados por um aumento da resposta imune inata, podendo haver aumento de
marcadores inflamatórios no sangue. Curiosamente, o aumento desses marcadores
em indivíduos não depressivos pode predizer o desenvolvimento de depressão
futura (Miller
e cols., 2009). Os marcadores mais envolvidos nessas sintomatologias são classicamente
conhecidos, tais como a IL-6, TNF-a, IL-1b, IFN e proteínas inflamatórias de
fase aguda (Zorrilla
e cols., 2001; Pasco e
cols., 2010). O aumento dessas citocinas no sangue do indivíduo induz a
apresentação de um comportamento denominado de “sickness behavior” (ou
literalmente “comportamento doentio”), facilmente visto em animais (Aubert
e cols., 1997; Bassi
e cols., 2012) e humanos (McKusker e Kelley, 2013),
cujos sintomas podem incluir anedonia, anorexia, caquexia, piloereção,
hiperalgesia, fotofobia, febre, entre outros.
Ao encontrar um antígeno
imunogênico, o corpo reage organizando uma resposta hierárquica e controlada
tanto localmente como sistemicamente, recrutando ambos sistemas imune e
nervoso. Quando há o reconhecimento do patógeno, ocorre a liberação em cascata
de citocinas pró-inflamatórias, tais como IL-6, TNF-a, IL-1 e IFN-a,
quimiocinas e indução de moléculas de adesão. As citocinas e células
encontradas na circulação periférica ativam e interagem com o sistema nervoso,
produzindo hipervigilância (parte dorsal do córtex cingulado anterior), evitando
futuras lesões e exposição ao patógeno, conservação/preservação (núcleos
basais), promovendo a organização das reservas energéticas para a eliminação do
patógeno e da cura dos ferimentos (Figura)
A hipótese PATHOS-D se apóia nos
seguintes fundamentos:
1) A
depressão deve estar associada ao aumento do processo inflamatório e a ativação
do mesmo deve induzir depressão;
2) Variantes
alélicas que aumentam os riscos de distúrbios depressivos (DD) podem aumentar
os mecanismos de defesa em geral e da imunidade inata;
3) Fatores
ambientais para DD devem estar associados com o aumento do risco de infecções e
aumentar a ativação inflamatória;
4) Os
padrões de aumento da atividade inflamatória associada aos DD devem diminuir a
mortalidade por infecção nos ambientes de origem;
5) Sintomas
depressivos devem aumentar a sobrevivência no contexto da infeção aguda e em
situações nas quais o risco de infecção pelo ferimento é alto.
Em contrapartida, a PATHOS-D não
é corroborada por toda a literatura científica, pois nem todos os pacientes com
DD apresentam marcadores inflamatórios aumentados no sangue e/ou no líquor (Raison e
Miller, 2011; Schmidt
e cols., 2011; Raison e
cols., 2010). Além disso, há a questão da adaptabilidade do indivíduo, pois
o organismo, como um todo, tentará se adaptar ao máximo ao ambiente, podendo
levar à depressão somente em casos extremos e onde não se tem controle sobre as
variáveis ambientais (é interessante dar uma olhada na Teoria
de Selye sobre a Adaptação Geral, mas isso já é outra história). Outro
ponto é que a administração de citocinas a animais e humanos não leva necessariamente
a sintomas depressivos (Capuron
e cols., 2005; Raison e
cols., 2010). Por exemplo, nem todo paciente em uso de IFN terá sintomas
depressivos completos, mas pode ter, separadamente, outras variantes que
incluem fadigas, dores musculares, insônias, anorexia, etc.
O ponto positivo é que a PATHOS-D
pode ajudar no desenvolvimento de novos tratamentos contra patologias
imunológicas e mentais. Muitos autores tem descrito o tratamento de distúrbios
depressivos por meio do uso de antiinflamatórios (Lotrich e cols.,
2011), e também o tratamento de processos inflamatórios por meio de
antidepressivos (Marteli
e cols., 1967; Neveau
e Castanon, 1999).
Em resumo, a teoria PATHOS-D
sugere que os alelos responsáveis por distúrbios depressivos são resultado de
mecanismos de defesa contra patógenos ao longo da evolução. Isso nos mostra que
o neurônio tem uma participação importante no sistema
imune durante o combate a patógenos. E isso está conosco muito antes do
neurônio, muito antes do macrófago, muito antes do próprio genoma.
Fonte: Raison CL, Miller AH. 2013. The evolutionary significance of
depression in Pathogen Host Defense (PATHOS-D). Molecular Psychiatry. 18, 15–37.
Post de Gabriel Shimizu Bassi
Muito interessante Gabriel, mais um capítulo para a interação Sistema Nervoso e Sistema Imune. Acho tema muito relevante principalmente no estudo de disturbios depressivos em indivíduos acometidos por doenças que propiciam comportamentos depressivos , como câncer e doenças auto-imunes. Também mostra que diferente de algumas linhas de pensamento, o biológico e psicológico estão interligados, sendo difícil tratar uma doença de cunho psicológico sem pensar quais consequências biológicas ela pode ter sobre um organismo e vice-versa.
ResponderExcluirÉ interessante perceber que vários artigos vinham postulando uma interdependência entre aspectos psicológicos e imunológicos. Mas isso começou muito timidamente, talvez pelos meados da década de 1950-1960 onde o aparecimento de sintomas psiquiátricos, tais como ansiedade e depressão poderiam ser utilizados para o diagnóstico de cânceres (Fras et al., 1967), e esses sintomas, cronicamente, poderiam acarretar o aparecimento de patologias orgânicas fora do sistema nervoso central. Um exemplo clássico é a correlação causal entre depressão e problemas cardíacos (Verwoerdt e Dovenmuehle, 1964; Fish e Dillon, 1953), em que indivíduos mais “rabugentos” ou depressivos podem apresentar problemas cardíacos diverso. Além disso, outros trabalhos mostraram que o tratamento do paciente com câncer com “carcinostáticos” levava a sintomas psiquiátricos indefinidos (Mastrovito, 1966). Ainda na década de 1960, alguns autores já relatavam o aumento da incidência de distúrbios psiquiátricas em indivíduos localizados nas camadas sociais mais baixas (Crandel e Dohrenwend, 1967) e na ocorrência de distúrbios psiquiátricos em pacientes com Lupus (Guze, 1967).
ResponderExcluirE esta relação neuroimune foi relativamente negligenciada até meados da década de 1980 quando o nível de publicações sobre o assunto começou a crescer vertiginosamente. Isso se deve muito provavelmente à crescente epidemia causada pelo HIV. Os problemas neuropsiquiátricos proporcionados pela imunodeficiencia causada pelo HIV ou pelo seu tratamento quimioterápico começaram a ficar mais bem estabelecidos (Beckett et al., 1987; Renault, 1987). Porém ainda restava (ou resta?) a dúvida de onde surgiu a patologia, se ela é de origem neurológica ou imunológica.