terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Imunidade inata na fronteira da transdisciplinaridade


Aqui vai uma sugestão para quem está procurando uma área de pesquisa de futuro e de impacto. A função dos sensores da imunidade inata em células e tecidos fora do tecido linfóide. Os Receptores tipo Toll são receptores da imunidade inata, descobertos originalmente na mosca das frutas: a Drosophila melanogaster. Vários trabalhos publicados este ano mostram a importância dos Receptores tipo Toll em respostas de mamíferos; e desmancham as fronteiras pré-estabelecidas entre o sistema imune e outros sistemas.


Figura. Drosophila melanogaster. Foto de: SRP imaging core-Univ. California at San Diego.

Uma função imune para a cascata de coagulação. O trabalho de Doronin e cols. mostrou que o FatorX, uma enzima da coagulação sanguínea, se liga à superfície do Adenovirus humano tipo C, promovendo nos macrófagos a ativação de uma cascata pró-inflamatória que envolve TLR4/MyD88/TRIF/TRAF6. Virus mutantes que não se combinam ao FatorX não ativam uma resposta inflamatória. O trabalho mostra que, após se ligar ao adenovirus, o FatorX, que não é inflamatório, se transforma num PAMP capaz de ativar TLR4 (Doronin K, Flatt JW, Di Paolo NC, Khare R, Kalyuzhniy O, Acchione M, Sumida JP, Ohto U, Shimizu T, Akashi-Takamura S, Miyake K, MacDonald JW, Bammler TK, Beyer RP, Farin FM, Stewart PL, Shayakhmetov DM. Coagulation factor X activates innate immunity to human species C adenovirus. Science. 338(6108):795-8, 2012).
Diferenciação de neurônios sensoriais e sinalização de prurido induzidos por TLR3. O trabalho de Liu e cols mostrou que animais com deleção gênica do gene tlr3 não apresentam coceira quando estimulados por histamina e outras substâncias pruritogênicas. Estes animais apresentaram várias alterações na transmissão sináptica excitatória dos neurônios sensoriais dos gânglios da raiz dorsal da medula. A injeção de agonistas de TLR3, principalmente RNA, induziu prurido e coceira nos animais selvagens. Os resultados indicam que o prurido é estimulado via TLR3 expresso em neurônios sensoriais por RNA liberado de células lesadas pela infecção ou por patógenos. (Liu T, Berta T, Xu ZZ, Park CK, Zhang L, Lü N, Liu Q, Liu Y, Gao YJ, Liu YC, Ma Q, Dong X, Ji RR. TLR3 deficiency impairs spinal cord synaptic transmission, central sensitization, and pruritus in mice. J Clin Invest. 122(6):2195-207, 2012). Este trabalho representa uma esperança para o tratamento de doenças crônicas que se acompanham de prurido, uma condição frequentemente intratável, e que reduz a qualidade de vida do paciente.
O prurido pode ser encarado como uma forma de resposta immune inata concatenada, já que a coceira vai provocar uma reação inflamatória no local, semeando leucócitos no sítio da lesão/infecção. No entanto, o sistema nervoso apresenta outras respostas mais complexas aos estímulos nociceptivos (injúria/lesão), que também poderiam ser reguladas por receptores tipo Toll.
Reprogramação gênica induzida por TLR3. Enquanto o prêmio Nobel de 2011 foi para os TLRs (receptores tipo Toll), o prêmio Nobel de 2012 foi para Shinya Yamanaka, médico japonês que pesquisa células-tronco. A surpresa é que estes dois prêmios Nobel estão intimamente ligados. Yamanaka fez a notável descoberta de que é possível induzir células tronco pluripotentes a partir de células humanas diferenciadas, como fibroblastos, simplesmente transfectando as células com quatro fatores de transcrição: Oct3/4, Sox2, Klf4, e c-Myc. Além de acabar com a polêmica ética e religiosa provocada pelo uso de células tronco embrionárias, este trabalho permitiu criar células tronco a partir do próprio paciente, o que no futuro, resolveria o obstáculo da rejeição imunológica. (Takahashi K, Tanabe K, Ohnuki M, Narita M, Ichisaka T, Tomoda K, Yamanaka S. Induction of pluripotent stem cells from adult human fibroblasts by defined factors. Cell 131(5):861-72, 2007).
Yamanaka utilizou um vetor retroviral para inserir os quatro fatores de transcrição na célula diferenciada. Devido ao risco de indução de malignidade pela inserção de vetores retrovirais no genoma, os pesquisadores tentaram inserir os fatores de transcrição na célula por outros métodos, como a utilização de proteínas permeantes. Misteriosamente no entanto, o método fracassava. O trabalho recente de Lee e cols resolveu o mistério e apresentou a surpreendente descoberta de que o sucesso de Yamanaka foi causado pela ativação de TLR3 pelo vetor retroviral. Eles mostraram que a ativação de TLR3 e dos fatores NF-kB e IRF3 causa alterações rápidas e globais no remodelamento da cromatina que são necessárias para a reprogramação nuclear. Os autores chamaram o fenômeno de “transflamação” (Lee J, Sayed N, Hunter A, Au KF, Wong WH, Mocarski ES, Pera RR, Yakubov E, Cooke JP.  Activation of innate immunity is required for efficient nuclear reprogramming. Cell 151(3):547-58, 2012). Esta descoberta pode explicar o enigma da relação que existe entre Toll, modificações morfogenéticas na embriogênese da Drosophila, e a imunidade inata. Além do avanço para a pesquisa de células tronco, este trabalho tem implicações gerais para a biologia. Quais são as pressões evolutivas atuando para que o reconhecimento de Toll provoque a abertura geral da cromatina nuclear, tornando a célula suscetível a uma rediferenciação ? Qual a importância deste fenômeno na carcinogênese ? Sabendo que existem vários ligantes endógenos de Toll, e que a família Toll é expressa por múltiplos tecidos não-linfóides, qual a implicação deste achado para a fisiologia do organismo ? Qual a importância de Toll na rediferenciação de células imunes durante uma infecção ?
Estas e outras perguntas relevantes estão à espera de novas pesquisas.
 
Post de: George A. DosReis

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