Post de João Paulo do Carmo
Esta revisão pode ser um pouco
antiga, mas o assunto ainda é quente e atual. Aqui, os autores revisam os
principais mecanismos responsáveis pela atividade imunológica aumentada no gênero feminino. Os
cromossomos sexuais têm intrigado pesquisadores há muito tempo. Seu modo
especial de herança e seus padrões atípicos de evolução moldaram sua estrutura
presente e estão na raiz das diferenças entre os sexos. Inativação do
cromossomo X; elevada percentagem de genes que escapam dessa inativação;
mosaicismo feminino e heterogeneidade nos padrões de inativação do X são prováveis
fatores que contribuem para as diferenças nas respostas imunes (RI) entre
mulheres e homens, em nível celular e molecular. Uma melhor compreensão destes
fenômenos poderia melhorar a precisão do diagnóstico e o sucesso do tratamento de várias doenças.
Evidências recentes mostram que
anormalidades específicas do cromossomo X, tais como desvio extremo da
inativação, reativação do X inativo, translocações e microdeleções podem
contribuir para a quebra da autotolerância e indução de auto-imunidade. Mas
ainda faltam explicações mecanísticas completas e a etiologia de várias doenças
auto-imunes ainda não foi estudada. Essas questões abrem a porta para um campo
que ainda está para ser explorado. Os efeitos de tais propriedades X-específicas
na regulação da expressão e função de microRNAs (miRNAs) ligados ao X também
não são conhecidos. O cromossomo X codifica vários miRNAs envolvidos na imunidade,
e os autores prevêem que nos próximos anos muito será descoberto sobre seus
modos de ação e possíveis alvos (de imunoterapia, inclusive). A contribuição de
miRNAs ligados ao X para as RIs sexo-específicas não é conhecida, e isso exige
mais pesquisa.
Em resposta a vários desafios
imunes, as mulheres mostram melhor sobrevivência do que os homens. O X tem um
papel importante nesta vantagem imunológica: doenças ligadas ao X são comumente
restritas aos machos (exemplo: algumas imunodeficiências primárias [PIDs], como
a IPEX em humanos, e scurfy, em camundongos, ambos com deficiências de Tregs),
que possuem somente uma cópia do cromossomo X. Entretanto, as fêmeas são mais
susceptíveis a doenças auto-imunes. Várias hipóteses foram propostas nos
últimos anos e concordam com o papel para esse cromossomo na formação das respostas
auto-imunes.
Em geral, mulheres são mais saudáveis e vivem mais que os
homens. As taxas de sobrevivência de doenças, como as causadas por doenças
infecciosas, sepse, trauma ou lesão, são melhores nas mulheres que nos homens.
Esta vantagem imunológica já vem sido conhecida há bastante tempo, e vários
estudos mostram a capacidade superior das mulheres em produzir mais anticorpos
e IgM sérica. Diferenças
sexuais na susceptibilidade a doenças infecciosas são mostradas por prontuários
de casos de vários hospitais. Por exemplo, no Hospital da Johns Hopkins
University, Baltimore, EUA, estudos realizados em um período de 30 anos mostrou
que há uma maior incidência de tuberculose, meningite e septicemia bacterianas
em homens do que em mulheres, e da infância à adolescência. Meninos
experimentam infecções mais freqüentes e graves, causadas por bactérias ou
vírus. Estas observações clínicas têm sido confirmadas por modelos teóricos e
matemáticos.
Através da evolução, os machos adquiriram imunorresponsividade mais baixa que as fêmeas, e o X é parcialmente responsável pela hiperresponsividade do
sistema imune feminino. Já é amplamente estabelecido que a presença de 2 cromossomos X
pode ser benéfica para as fêmeas; porém, às vezes também pode ser
desvantajosa. Estudos recentes mostram que perturbações na inativação do
cromossomo X são marcadores de desordens auto-imunes graves, bem mais comuns
nas fêmeas. A evidência em apoio ao envolvimento do cromossomo X na quebra da
auto-tolerância e as hipóteses aceitas atualmente pelas quais isso ocorre são
discutidas na revisão.
O
cromossomo X tem muitos genes envolvidos nas funções imunes, como o TLR-7,
CD40L e FOXP3, e suspeita-se que outros genes e mutações relevantes para a
imunidade ainda estão para serem descobertos. Os autores especulam que mutações
afetando tais genes e suas vias reguladoras associadas podem ser parcialmente
responsáveis pelas diferenças nas RIs de machos e fêmeas.
Mamíferos machos possuem
somente 1 cromossomo X; a partir do ponto de vista evolutivo esta é uma desvantagem
enorme, pois cada mutação recessiva recém-surgida no cromossomo X será
fenotipicamente manifesta. Esta desvantagem de sobrevivência é mostrada pela
existência de numerosas PIDs ligadas ao X. Estas são doenças que normalmente
não afetam as fêmeas ou causam efeitos menos graves em mulheres do que em
homens.
Estas características
específicas evolutivas do cromossomo X podem ter resultado na retenção de genes
envolvidos na imunidade neste cromossomo, o que expõe os machos imediatamente
aos efeitos letais de mutações deletérias, e em última análise, contribui para
a sua desvantagem genética ao enfrentar desafios imunológicos.
Aproximadamente 5% da população nos países
ocidentais é afetada por doenças auto-imunes, e mais de 80% dos pacientes são mulheres.
Das mais de 70 doenças auto-imunes conhecidas, as diferenças de gênero mais
importantes na prevalência da doença são observadas em doenças auto-imunes da
tireóide (como tireoidite de Hashimoto e doença de Graves), síndrome de
Sjögren, doença de Addison, esclerose sistêmica, lúpus eritematoso sistêmico
(LES) e cirrose biliar primária. Em cada uma destas doenças, mais de 80% dos
doentes são mulheres. Na artrite reumatóide, esclerose múltipla e miastenia
gravis, o número é de ~ 60-75%.
Fig. b: uma das hipóteses discutidas pelos
autores na revisão, para a influência do cromossomo X na geração de doenças
auto-imunes.
Está claro que o
X pode ter uma grande influência na imunidade e que estes fatores podem ser
deletérios ou benéficos para um sexo ou outro, dependendo do contexto imunológico. Assim, este cromossomo tem sido essencial na moldagem do sistema imune em
humanos.
Para
ler mais:
The X chromosome in immune functions: when a chromosome
makes the difference. Claude Libert, Lien Dejager & Iris Pinheiro. Nat Rev
Immunol. 2010; 10:594-604.
Excelente post!!!!! Acho que estudos fazendo QTLs de várias doenças poderia ajudar a explicar muita coisa. As vezes na Imunologia esquecemos um pouco dessa influência. Muitas infecções e modelos animais só tem sucesso se realizado em animais machos. Acredito que estudos mais específicos precisam ser feitos nesse campo.
ResponderExcluirObrigado. Desculpe minha ignorância, mas o que são QTLs?
ResponderExcluir