quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Deslocamentos



 
Semana passada começamos aqui no Pós-Graduação a disciplina de Biologia Tumoral,  e pra minha surpresa 21 alunos – recorde no pg -  apareceram inscritos. Na primeira aula falamos do outline que teria a disciplina. Como curto muito o artigo Hallmarks of Cancer do Hanahan e Weinberg, falei que íamos começar analisando cada uma delas. Cada vez que se fala em metástase, uma das hallmarks, o pessoal ficava mais quieto e prestava mais atenção. Tem alguma coisa nessa palavra.

Fazem pouco mais de dez anos que as bases moleculares da metástase tumoral – fenômeno de pior prognóstico para qualquer paciente de câncer – começaram a ser compreendidas.

As primeiras descobertas foram sobre as alterações observadas em moléculas de adesão expressas pelo próprio tumor, como a E-caderina. Essa proteína é importante para manter as camadas homogêneas dos epitélios e as células arranjadas de maneira organizada. Perda da E-caderina por carcinomas promove metástase. Já outras caderinas, quando superexpressas pelo tumor,  vão ajudar na metástase.

Mais recentemente foram identificadas redes de interações complexas entre tumor e estroma, que são necessárias para a cascata metastática, como se diz. O tumor precisa extravasar do tecido, intravasar no vaso – que muitas vezes ele mesmo criou por neo-angiogenese – chegar ate outros sítios do corpo (mistério total como as células tumorais fazem esta parte, como fazem para preferir o pulmão por exemplo) – extravasar do vaso, sobreviver no novo tecido... enfim. Parece ate que para proliferar as células metastáticas tem requisitos diferentes, comparado com as células dos tumores primários (ver a review do Valastyan, abaixo).

Mas a parte mais interessante pra mim são as novíssimas descobertas de como monócitos (ver os trabalhos do Jeffrey Pollard) e neutrófilos (ver Spicer et al, doi:10.1158/0008-5472.CAN-11-2393) fazem as alterações teciduais (Pollard) e endoteliais (Spicer) que possibilitam duas fases dessa cascata metastática.  Por mais que os oncogenes dirijam a transformação tumoral – o sistema imune é necessário para a metástase.

Mais: um fenômeno comum da quimioterapia é, após eliminar grande parte da massa de células tumorais, selecionar uma variante agressiva que em dias ou semanas metastatiza, e é quimioresistente. É aquilo que se ouve falar o fulano estava bem, de repente veio uma segunda onda do tumor com uma fúria e o cara morreu em uma semana. Um trabalho do mês passado mostrou que esse fenômeno depende da interação de células tumorais, endoteliais e... mielóides. Células e câncer de mama que superexpressam CXCL1 e 2 atraem células CD11b+Gr1+ que produzem quimiocinas angiogenicas que ajudam o tumor a sobreviver. Os quimioterápicos matam células tumorais, mas esses tratamentos também induzem uma onda inflamatória no estroma, levando a produção de TNF-alfa, que via NFkB ampifica a produção das quimiocinas CXCL1/2 , atrai as mesmas células mieloides de novo, e monta um loop de  resistência a quimioterapia.

O Hanahan é o biólogo molecular que inventou os meios SOC e SOB, e o Weinberg, Nobel esperando pra acontecer, identificou o  primeiro oncogene – Ras – e o primeiro tumor-supressor – Retinoblastoma. Biólogos moleculares e celulares, que finalmente incluíram na revisão da revisão –  as hallmarks que eles chamam de emergentes (acho engraçado isso) - da promoção tumoral pela inflamação e da capacidade do tumor de evadir o sistema imune. É nesta área, sem duvida, que as próximas grandes contribuições para a compreensão do crescimento tumoral e da metástase serão dadas.

O paper
Acharyya et al,  Cell. 2012 Jul 6 150(1):165-78.

Sugestão pra começar a ler sobre o assunto
Valastyan e Weinberg, Cell 147, October 14, 2011, p275
Hanahan e Weinberg, Cell  147, October 14, 2011, p646
Friedl e Alexander, Cell  147, November 23, 2011 p949

5 comentários:

  1. Parabéns pelo post Cris!!
    Essa disciplina promete...

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  2. Muito legal o post.
    Realmente a "metástase" é um fenômeno que assusta as pessoas tanto pela falta ainda de conhecimento sobre o processo em si, como principalmente pelo nosso temor dele estar acontecendo/acontecer com a gente.
    O que vale ressaltar é que a vasta diversidade dos tipos e origens tumorais, assim como as seleções que eles sofrem, torna cada tumor único. Porém, creio que classificar os tumores apenas pelo local de origem tumoral torna a nossa capacidade de tratamento/intervenção muito limitada. Entender melhor os mecanismos de progressão e evolução tumoral, e a partir disso classificar essas neoplasias dentro desses parâmetros nos permitirá fazer muito mais. Infelizmente, estamos um pouco longe dessa visão.

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  3. Excelente post Cris! Imunologia tumoral é um tema fascinante! Tenho alguns alunos meus aqui que adorariam poder estar no RS para fazer esta disciplina! bjs

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  4. Thiago Rafa e Kelly, obrigada pelos comments; também acho este tema fascinante e estamos sempre a disposição, venham nos visitar! bjo, Cris

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  5. Adorei o post!! e principalmente as sugestões de artigos para começar a ler e compreender um pouquinho sobre biologia tumoral!!
    Parabéns Cris Bonorino. Fernanda Bruni.

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