sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Economia, co... e coqueluche, o que têm em comum?


Tem um livro que todo mundo tinha que ler que se chama Freakonomics – que um jornalista e um economista escreveram juntos e que mostra, de forma genial mesmo, como o fato de analisar dados aparentemente não correlacionados pode nos ajudar a desvendar os quebra-cabeças mais difíceis. O truque, revelado sempre no final de cada capitulo,  é saber o que medir, e como medir.

Nesse livro por exemplo aprendi que economia não é uma ciência  chata de números e cifras, como me parecia, mas sim  a ciência de entender que incentivos são necessários para determinados indivíduos fazerem uma determinada coisa.  Que a sabedoria convencional, ou bom senso, freqüentemente estão errados. E que efeitos dramáticos normalmente tem uma causa distante e muitas vezes sutil, que não parece estar relacionada ao que estamos observando. Achei isso muito parecido com o que a gente faz, em biologia. Por isso adorei esse livro, e freqüentemente volto e releio partes, e descubro coisas novas – olha , vale a pena ler. No inicio do livro eles mostram como o declínio do crime nos EUA de 1990 para 2005 foi atribuído a causas diferentes, em hipóteses que foram subseqüentemente refutadas  - como declínio da venda de armas – que não tinha acontecido na verdade. E finalmente quando o problema foi decifrado, viu-se uma relação causal com a legalização do aborto – menos crianças nascendo na pobreza, menos crime.  Polêmico? Pode apostar.

Lembrei disso porque um colega que é médico me parou no corredor hoje pra conversar sobre como é enorme a taxa de internação de crianças com bronquiolite em populações , ou países, pobres comparados com ricos. Não tem remédio, não tem o que fazer, ele falou. Tem gente que acha que na pobreza tem mais inalação de LPS – veja abaixo este artigo – ativaria mais as células dendriticas pulmonares e que isso explicaria uma maior irritação basal nos pulmões em populações menos favorecidas. Tem estudos que mediram LPS na fumaça de fezes de gado  (!) e correlacionaram com a bronquiolite – aparentemente pessoas pobres de áreas rurais queimam fezes de gado, e essa fumaça tem mais LPS do que fumaça de lenha. Eles inalariam LPS cronicamente... Hmmmmm.....Really? Ou será que a população mais pobre, sem educação e sem ajuda, vai mais para o hospital se a criança começa a tossir, pois não sabem como resolver o problema em casa, ou não tem médico particular?

Chego em casa e de noite, lendo transversalmente o JAMA de 1 de Agosto de 2012, me chama a atenção uma letter de pesquisadores da Universidade de Queensland, na Austrália, falando sobre o crescente surto de coqueluche e a modificação da vacina DTP – a tríplice bacteriana, que ocorreu a partir de 1997. Primeiro fiquei surpresa pois não sabia desse surto de coqueluche – aparentemente vem ocorrendo na Austrália e nos EUA, desde 2008, e numa franca ascendente. Foram estudadas crianças entre 8 e 14 anos que estão tendo a doença, e elas ou foram vacinadas ou com a vacina antiga, DTP, que tinha vários efeitos colaterais, era chatinha, dava febre, e podia dar até convulsões em algumas crianças; ou com a vacina nova, DTaP, ou pertussis acelular, que não dá bode; ou com uma mistura das duas. Vejam na figura que quem se da pior são as crianças que foram vacinadas com a vacina nova, ou com a mistura dos dois regimes. Nas que receberam mistura, ficaram piores as que tiveram a primeira dose de DTaP, e não de DTP - ou DTwP,  whole pertussis.

Incautos poderiam dizer que a vacina não protege. Isso é perigosíssimo pois a vacina DTwP tinha praticamente erradicado a doença, até 2008. Essa nova DTaP pode não proteger da mesma forma. Contudo, fico pensando – nesse rebanho recente de crianças, que cresceu em uma época em que a coqueluche estava praticamente erradicada – será que não tem um monte de crianças que não se vacinou? Onde estariam esses dados?  Será que a DTaP não protege, ou será que a vacina perde a eficácia se o rebanho não esta protegido adequadamente?

Saber o que medir, e como medir – tai um grande desafio.

Chronic endotoxin exposure produces airflow obstruction and lung dendritic cell expansion. Lai PS, Fresco JM, Pinilla MA, Macias AA, Brown RD, Englert JA, Hofmann O, Lederer JA, Hide W, Christiani DC, Cernadas M, Baron RM. Am J Respir Cell Mol Biol. 2012 Apr 19.

Number and order of whole cell pertussis vaccines in infancy and disease protection.Sheridan SL, Ware RS, Grimwood K, Lambert SB. JAMA. 2012 Aug 1;308(5):454-6.

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