segunda-feira, 14 de maio de 2012

Diabetes: Mellitus ou Apimentadus?


            O Diabetes Mellitus (DM) compreende uma doença milenar que acompanha a humanidade até os dias de hoje. As primeiras referências datam aproximadamente do ano 1500 a.C., há mais de 3000 anos, registradas pelos antigos egípcios nos Papiros de Ebers. A primeira descrição clínica sobre a doença foi realizada por volta do ano 1000 a.C., pelos gregos Celsus, Galen e Aretaeus da Capadócia, sendo o último quem introduziu o termo Diabetes (do grego dia = através / betes = passagem; ou simplesmente sifão) para designar a doença, uma vez que a eliminação excessiva de água pelos pacientes recordava-lhe a passagem de água através de um sifão. O adjetivo mellitus (do latim, mel) foi acrescentado por Cullen no século XVIII, em função do sabor adocicado da urina (Aita, 2002). Eu sei exatamente o que você deve estar pensando e já adianto que não, eles não bebiam a urina para saber se ela era adocicada. Eles atribuíram um sabor adocicado devido aos insetos que ficavam rondando a urina desses pacientes.
            Agora falemos sobre a pimenta. Pimenta corresponde à nomenclatura comum dada a várias plantas, seus frutos e condimentos deles obtidos, de sabor geralmente picante.Já o composto químico capsaicina (8-metil-N-vanilil 1-6-nonamida) é o componente ativo das pimentas conhecidas internacionalmente como pimentas chili, que são plantas que pertencem ao gênero Capsicum. É irritante para os mamíferos, incluindo os humanos, e produz uma sensação de queimação em qualquer tecido que entre em contato (Fonte: Wikipedia).
            Mas então, qual seria a possível relação entre esses termos aparentemente tão divergentes? Até janeiro de 2012, praticamente nenhuma. No entanto, em janeiro deste ano, Nevius e colaboradores (ref.) publicaram um artigo interessantíssimo na Mucosal Immunology em que eles mostram de maneira bastante elegante que a administração oral dessa substância da pimenta que causa a tradicional queimação, a capsaicina, está relacionada com a diminuição da ativação e proliferação de linfócitos T auto-reativos, exclusivamente em linfonodos pancreáticos (e não nos demais), e protege animais suscetíveis (Nonobese diabetic - NOD mice) de desenvolverem o diabetes auto-imune (tipo 1). Em outras palavras, capsaicina seria extremamente eficaz na prevenção do DM1 e também na resolução da insulite em camundongos com diabetes já estabelecido. O que chama a atenção no trabalho é que os autores não poupam esforços para sanarem as dúvidas e para isso utilizam diversos modelos experimentais, como por exemplo: camundongos NOD, camundongos BDC2.5 que possuem o TCR transgênico específico para antígenos da ilhota pancreática; o modelo RIP-OVA, cujos animais expressam OVA como um auto-antígeno nas células - beta das ilhotas de Langerhans. Além disso, utilizam linhagens como Balb/c e C57BL/6 para provar que a administração de capsaicina teria um efeito imunosupressor em linhagens diferentes, não se restringindo a uma ou outra linhagem em específico; e por fim utilizam camundongos CD11b.DTR/NOD, em que a administração de 25 ng de toxina diftérica faz com que haja a depleção de células CD11b+. Este último modelo, por exemplo, é utilizado para fechar o raciocínio de que macrófagos CD11bHi (mais especificamente, CD11bHiF4/80+) são as células supressoras em questão no linfonodo pancreático desses animais alimentados com capsaicina, uma vez que a depleção dessa população CD11bHiF4/80+acabou completamente com o efeito supressor observado com a administração oral de capsaicina. Em suma, o modelo que os autores propõem é o de que a interação da capsaicina com seu receptor, o vanilloid receptor 1 (VR1) leva ao aumento de uma população CD11bHiF4/80+nos linfonodos pancreáticos, que por sua vez irá passar a produzir mediadores anti-inflamatórios, em especial, IL-10 e PD-L1. Esta população é essencial para a supressão observada em camundongos NOD e essa supressão é dependente de IL-10. Além disso, este é um fenômeno geral, uma vez que a adminitração oral de capsaicina em diversas linhagens de camundongos levou ao aumento de uma população CD11b+. Portanto, será que estamos apostando nossas fichas no caminho errado? Ou seja, será que nossos olhos estão muito voltados paratrials de prevenção para o DM1 em indivíduos de risco (positivos para auto-anticorpos como Anti-GAD e Anti-IA2, sem sintomas da doença) que não tem dado resultados tão animadores quanto o esperado, como é o caso do Diabetes prevention trial, Nicotinamide prevention trial, trials com administração oral de insulina (Fonte: Instituto Hermes Pardini - Belo Horizonte) sendo que o caminho certo para a prevenção eficaz da doença estaria localizado num aconchegante restaurante mexicano lotado de suas comidas apimentadas, recheadas de capsaicina? Fica aqui a dúvida.

Post por Frederico Ribeiro - Mestrando FMRP-USP.

2 comentários:

  1. Mto bom o post.

    Parabéns, Frederico e João.

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  2. Phileno Pinge Filho16 de maio de 2012 às 08:19

    Há uma escuridão que parece tomar conta do mundo, onde explicações pseudocientíficas ocupam cada vez os espaços do meio de comunicação. Parabéns Frederico e João pelo "post" de hoje; o conhecimento científico feito uma vela que ilumina os dias de hoje e faz refletir sobre a os valores da racionalidade.

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