segunda-feira, 30 de abril de 2012

Hurdles



Eu lembro quando comecei a estudar imunologia tumoral, como fiquei fascinada pelos tumor infiltrating lymphocytes, os TILs. Essas células eram identificadas em todos os tumores mostrando uma interação intima entre a resposta imune e o tumor que crescia. Contudo, todos os patologistas com quem eu conversava sobre isso eram unânimes – o infiltrado tumoral, como eles chamavam, não servia para predizer prognóstico, não tinha nenhuma utilidade prática no acompanhamento dos pacientes de câncer. Um desapontamento, concluíam. Para eles, o imunoediting – o estudo de como os tumores se reinventam para escapar da resposta imune – é uma hipótese. Eu continuava acompanhando a literatura e os imunologistas continuavam estudando o infiltrado, e tentando desenvolver imunoterapia para tumores. Como estavam afastadas, pensei eu, a academia e a vida real.

O acompanhamento dos pacientes usa classificações conhecidas como estadiamentos, I, II, III e IV, do sistema TNM – que considera Tamanho, Número de linfonodos comprometidos, e existência de Metástases. Não se considera o infiltrado. Contudo, em 2006 foi publicado na Science  um artigo por Galon et al, analisando mais de 500 tumores de intestino mostrando que a densidade de células T de memória infiltrando o tumor era o único fator preditivo independente para o prognóstico do paciente, superior ao sistema TNM. Mostraram também que a assinatura TH1 essas células era protetora nos pacientes. Depois disso, o boom do tratamento de tumores com anticorpos monoclonais – como a herceptina e o rituximab, e mais recentemente, o anti-CTLA-4, do Jim Allison, sobre o qual postei antes, não apenas deixou a imunoterapia mais próxima da clinica, mas mostrou que a infiltração de tumores por células T regulatórias era um ponto crucial no tratamento de câncer. Aprendemos ainda sobre os macrófagos M1 e M2, estes últimos que ajudam a semear as metástases, e mas recentemente, os neutrófilos N1 e N2, os “2” sendo produtores de TGF-beta e arginase, inibindo a função de linfócitos T CD8+.  Nós chegamos a publicar uma revisão de mecanismos imunossupressores dos tumores – gente, não acaba nunca! É impossível que tantas estratégias tumorais sejam empregadas, contra um fator que não seja importante na modulação do crescimento tumoral.

Estudos do mesmo Galon, poblicados em 2011 no Journal of Clinical Oncology, faz novamente analise em duas coortes independentes de pacientes de tumor de intestino, considerando agora o infiltrado de células T reg, mostrando a força preditiva dessa analise, que chamam de immune score. Como, eu pergunto, isso não está incorporado ao acompanhamento de pacientes na clinica?

No final de 2011, o Pawelec, que veio no congresso de 2010 e é editor da Cancer Immunology Immunotherapy me colocou em contato com um grupo que estava preparando uma declaração de princípios sobre os principais problemas enfrentados atualmente para traduzir a pesquisa em imunologia tumoral para o dia-a-dia do tratamento de pacientes de câncer. O grupo incluía o próprio Pawelec, o Galon, o Fridman (que esteve em 2009 no congresso da SBI em Salvador, a convite do Kalil), o Jim Allison, o Trinchieri  (o descobridor da IL-12 e hoje diretor do National Cancer Institute), entre outros. Essa declaração era chamada por eles “ the hurdles manuscript”, agora publicado no Journal of Translational Medicine. Hurdle quer dizer obstáculo ou barreira, tipo na corrida com obstáculos. Entre eles, o tempo enorme entre o desenvolvimento de uma terapia e  seu uso efetivo na clinica. A limitação dos modelos animais e sua efetiva similaridade com o que ocorre em humanos. O fato de os critérios convencionais de clinica não levarem em conta os padrões de resposta a tratamento citotóxico versus os observados com imunoterapia. A falta de interação real entre grupos de pesquisa e clinica buscando efetivamente traduzir os marcos obtidos no laboratório, para a vida real. A limitação de recursos para manter esses grupos.

Enfim. Existe uma sociedade internacional de imunoterapia de câncer – a SICT (http://www.sitcancer.org)  – que quer organizar sociedades nacionais desse assunto – num esforço mundial de mudar esse panorama.  Vamos trazer esse pessoal aqui pro Brasil, talvez numa ESCI do congresso, e integrar essa mudança de paradigma. Vamos nos informar mais sobre isso, informar nossos colegas clínicos, chamar a atenção do Ministério da Saúde, contar que isso existe, colocar o INCT do Câncer a participar disso. Eles querem nos conhecer. Nós, que  temos conhecimento do quanto isso pode modificar vidas, temos que ajudar a eliminar esses obstáculos, antes que eles eliminem a gente.

Leituras
Galon J, et al:Science 313:1960-1964, 2006
de Souza AP, Bonorino C. Expert Rev Anticancer Ther. 2009 Sep;9(9):1317-32
Fox et al, Journal of Translational Medicine 2011, 9:214

10 comentários:

  1. Muito interessante seu post Cris! Vc abordou um ponto muito importante. Realmente um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento de drogas antitumorais e da aplicação efetiva das imunoterapias está na falta de interação entre os grupos de pesquisa envolvidos, a clínica , e a academia. Sem falar no papel importante das agências de fomento e do governo que poderiam priorizar e promover estudos de ponta mais interdisciplinares, visando a rápida aplicação prática na vida real. A pesquisa em imunologia tumoral tem muito a oferecer, falta a interação mais próxima com a clínica para começarmos a ver resultados mais promissores!

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  2. Muito importante pensar na imunologia tumoral clinicamente e mais que isso usar deste arsenal imunológico na hora de montar estratégias antineoplásicas e trazer para a clínica essas novas e promissoras ferramentas prognóstica. Parabéns Cris!
    Carolina Torronteguy

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  3. Uma coisa que tem cahamado muito a atenção é esse grande "gap" entre o que muitos chamam de pesquisa clínica e pesquisa básica. Pesquisadores estão perdendo emprego e laboratórios fechando as portas devido a um grande investimento em "Clinical Trials" e nada para a pesquisa básica. Ao meu ver pesquisa é um conjunto de eventos onde uma coopera com a outra. Sem o básico não existe o clínico e vice versa. Parabéns pelo post..

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  4. Valeu pelos comments, gente! A gente precisa divulgar isto, atraindo a atenção dos órgaos de fomento e de nossos colegas pra alguma coisa que vai ter muito impacto no dia a dia de todos nós!

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  5. Excelente post, Cris! A pesquisa básica e a pesquisa clínica precisam caminhar de mãos dadas e os esforços unidas para que possamos aplicar nossos achados efetivamente. Vamos divulgar!

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  6. Cris, ótimo post. Fiquei aqui imaginando como juntar tais pesquisadores; aqueles que trabalham com oncologia/imunologia; pesquisa clínica e básica. Note, quando organizei congressos não consegui mais que uma boa mesa sobre imunologia de tumores. Na verdade, pesquisa clínica tumoral me parece um tanto insipiente no país (é o que diz o Rafael, acima). A maioria (não todos) dos grupos tratam os pacientes; só isso. É claro que temos que melhorar. Eu acho que um edital do CNPq (ou do Ministério da Saúde) para projetos básicos/clínicos poderia ajudar (um sonho, pois estão sem verba para pagar os projetos contratados). Mas de fato colocar os pesquisadores nacionais para conversar sobre o tema seria ótimo. Eu acho que a CAPES poderia ajudar no financiamento de um "meeting" desses. Mas temos que ter no horizonte uma luz verde das agências de fomento. Eu gostaria de poder ajudar.
    É isso.

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  7. Oi João! Que bom que vc tambem pensa em juntar essas pessoas pra interagir. Eu ja falei sobre isso com o Viola e a Patricia, na reuniao do INCT. Queremos sim organizar um meeting entre os pesquisadores de fora e os daqui. acho que tem que juntar gente de imuno e de cancer, porque quem trabalha com cancer nao entende de imuno, entao seria uma interacao muito produtiva. Vamos conversar sobre isso daqui a duas semanas quando eu te visitar!

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  8. Cris
    Lembrei-me de coisas antigas que li (1995-1997) que iam na contra-corrente do que se pensava na época; veja só:

    Stewart, T., S. C. Tsai, et al. (1995). "Incidence of de-novo breast cancer in women chronically immunosuppressed after organ transplantation." Lancet 346(8978): 796-8.
    In mice, retrovirus-associated breast cancers are promoted by immune mechanisms, and immunosuppression during the premalignant phase reduces the incidence of breast cancer and prolongs life. If some women likewise have immune promotion of breast cancer, the incidence of breast cancer in patients receiving therapeutic immunosuppression should be lower than that in a comparable cohort of non-immunosuppressed women. We examined the incidence of de-novo breast cancer arising in women receiving immunosuppressive therapy after kidney or heart transplantation, comparing the figures with published rates. In 25,914 immunosuppressed women followed for 1-11 years there were 86 cases of breast cancer compared with 113.8 expected (p = 0.009). Incidence was particularly low in the first transplant year with relative risk 0.49, rising to 0.84 in subsequent years. For all other major cancers the incidence was higher in the immunosuppressed women. If, as in mice, the reduced incidence of breast cancer is a direct effect of immunosuppression, these observations raise the possibility of therapeutic manipulation of specific immune mechanisms that promote tumour growth.

    Stewart, T. H. (1996). "Evidence for immune facilitation of breast cancer growth and for the immune promotion of oncogenesis in breast cancer." Medicina (B Aires) 56 Suppl 1: 13-24.

    Stewart, T. H. and G. H. Heppner (1997). "Immunological enhancement of breast cancer." Parasitology 115 Suppl: S141-53.

    Outra coisa, você ouviu falar de Ana Maria Soto e Carlos Sonnenschein - argentinos que trabalham nos USA há muitos anos?

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  9. Nelson, lendo o inicio do abstract pensei que esses estudos eram os avós da Systems Biology - identificaram matematicamente um problema para o qual só se encontrou a evidencia anos depois. Um amigo meu diz que a Fisica é uma profissão na qual previsões são não apenas cotidianas, mas são acertadas. Biologia esta começando a chegar lá. Desses dois autores que vc menciona, os argentinos, veja só, conheço apenas o que escreveram sobre systems biology - tem um paper deles na última Cancer Cell, que acompanho. Olhai, mais dois convidados pra esse congresso que estamos pensando...

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  10. Gostei muito do post também, parabéns. E quanta discussão ele trouxe! Me interesso bastante pelo tema, embora não trabalhe diretamente com esse assunto. O keystone organiza diversas conferências em torno desse tema (http://www.keystonesymposia.org/Meetings/ListMeetings.cfm?OrderBy=CategoryName#2) e há uma específica que trata de imunologia e imunoterapia de tumores (http://www.keystonesymposia.org/Meetings/ViewMeetings.cfm?MeetingID=1197). Essas inciativas podem ajudar a ilutrar a força, a complexidade e a importância do tema perante nossas agências de fomento para apoiar a pesquisa e organizar reuniões no Brasil, como vocês sugeriram.

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