sexta-feira, 6 de abril de 2012

Células Th17: equilíbrio e excesso


Nos últimos anos, a participação de células Th17 no desencadeamento e na perpetuação de processos inflamatórios crônicos, como os observado em desordens autoimunes, tem sido demonstrada em vários estudos experimentais e clínicos. Apesar destas demonstrações, parece que estas células não costumam muito gostar dos holofotes da mídia científica, visto que esta população celular é encontrada em pequenas quantidades no organismo, inclusive em tecidos inflamados, como nas articulações de pacientes acometidos pela artrite reumatóide.

Há uns 6 meses atrás, em um seminário de discussão científica do nosso grupo de pesquisa, esta aparente contradição foi refletida. Será que as células Th17 possuem alguma habilidade de promover o controle de sua expansão clonal? Biologicamente, se este fenômeno ocorresse seria interessante, pois pensando em uma infecção bacteriana como exemplo, seria um modo pelo qual este tipo celular evitaria danos aos tecidos do hospedeiro, provocados por uma exacerbação de sua resposta contra o patógeno. Ainda, em doenças autoimunes, senão houvesse esse mecanismo, os danos teciduais provocados pelas células Th17 poderiam ser ainda maiores.

No mês passado, li um artigo muito interessante publicado na Immunity que coloca uma luz no final do túnel para este assunto. De uma maneira muito elegante, Santarlasci e colaboradores mostraram que células Th17 humanas diferenciadas in vitro possuem uma capacidade reduzida de proliferação em resposta a estimulação do receptor de células T, e também apresentam um deficit na produção de IL-2, fator de crescimento vital de células T, quando comparadas com outros padrões de diferenciação de células TCD4+. Além disso, os autores descobriram um mecanismo restrito deste padrão de ativação celular envolvido com a redução de sua capacidade de se multiplicar e produzir IL-2. Em primeiro lugar, os autores observaram a expressão aumentada do fator de transcrição do gene 1 induzido por IL-4 (IL4I1) em células Th17 comparadas com células Th1. Células Th17 também exibiam uma expressão anormal do receptor de célula T associado a molécula de sinalização CD3ζ relacionado com a atividade diminuída na produção de IL-2. Embora sinalização convencional por CD3 foi prejudicada, os autores demostraram que as células Th17 produziam IL-17 através da sinalização por CD28. O bloqueio da expressão de IL4l1 restaurou o comprometimento na produção de IL-2 e a proliferação celular, revelando uma ligação entre a expressão de IL4l1, a inibição da divisão celular e a produção de IL-2 nas células Th17 humanas. Analisando dados clínicos, células Th17 da sinóvia de pacientes com artrite reumatóide juvenil também expressaram níveis elevados de CD28 e RNAm de IL4l1, acompanhada de uma proliferação celular também comprometida.

A partir deste dados, os autores propõem que células Th17 possuem um auto-controle na sua atuação. O comprometimento de sua expansão reflete um mecanismo de atenuação dos efeitos deletérios causados pelo seu potencial pró-inflamatório. Adicionalmente, estes dados também são de extrema relevância para a prática clínica que visa o tratamento de doenças inflamatórias nas quais células Th17 estão envolvidas, como artrite reumatoíde e esclerose múltipla, pois oferecem perpectivas para o terapia com agentes biológicos que bloqueiem ou interfiram com a sinalização via CD28, ou que promovem o aumento da expressão do gene de auto-controle IL-4l1. Para finalizar, através destes achados que mostram a complexidade do sistema imune, fica um pouco dos ensinamentos que aprendi durante a minha vida, mais especificamente com a minha avó Zenaide, em tudo devemos ter um controle, o excesso não é bom, situação vista inclusive aqui tratando-se de doenças autoimunes, nas quais muitos defendem a participação de um desequílibrio de uma resposta inflamatória no desencadeamento destas desordens, porém até nestes casos o excesso não é tão excessivo assim, poderia ser pior.

Referências

V. Santarlasci et al., Rarity of human T helper 17 cells is due to retinoic acid orphan receptor–dependent mechanisms that limit their expansion. Immunity 36, 201–214 (2012).


Raphael Sanches Peres

Laboratório de Inflamação e Dor

Programa de Imunologia Básica e Aplicada –FMRP/USP

2 comentários:

  1. A avó Zenaide tem toda razão. Muito interessante esse tema, ótimo post!

    Manuela Sales

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  2. Muito bom!
    Em nosso laboratório analisamos a resposta imune contra C. albicans, e como demonstrado por nós e vários outros pesquisadores, esta resposta favorece o hospedeiro na situação de infecção cutânea por este fungo.
    Quando analisamos a cinética de produção, temos um pico de produção de IL-17, seguido de uma rápida redução, o que não ocorre com IFN-g ou IL-4, por exemplo.
    Por outro lado, quando utilizamos a lectina imunoestimulatória Con-A, observamos que os altos níveis de IL-17 são mantidos, assim como a cura ocorre mais rápido, porém com alteração nos níveis de enzimas hepáticas.

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