quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Controle da resposta imune por células de origem estromal


Muitas vezes, ao ouvirmos falar de estroma, o primeiro conceito que vem à cabeça é: dar suporte estrutural às funções das células parenquimais. Entretanto, hoje existem várias evidências de que a interação estroma-parênquima não é algo tão simples assim.

Quando investigamos aspectos relacionados à resposta imune, o foco é exclusivo em células de origem hematopoiética (células T, B, dendríticas, neutrófilos, etc), não levamos em conta o “ambiente” (não hematopoiético) em que essas respostas acontecem. Fato é que a interação células estromais-células do sistema imune ocorre e essa interação é finamente regulada, de modo que uma célula influencia o comportamento da outra.

Um bom exemplo é visto na interação das células tronco mesenquimais (Mesenchymal Stem Cells, MSCs), conhecidas atualmente como células multipotentes estromais mesenquimais e células do sistema imune, tema de estudo do nosso grupo, liderado pelo Dr. Júlio Voltarelli. Diversos estudos in vitro mostraram que as MSCs modulam praticamente todas as células do sistema imunológico, por exemplo: inibem ativação e proliferação de célula T, diminuem a produção de anticorpos por células B, inibem ativação e maturação de células dendríticas, dentre vários outros exemplos que podem ser encontrados em ótimas revisões. Atualmente, vários trials clínicos que empregam essas células têm mostrado resultados promissores em doenças de perfil inflamatório e autoimune.

Trabalhos demonstram que esse efeito supressor não é confinado apenas às MSCs, sendo compartilhado por outras células estromais, tais como os fibroblastos. E é aqui que o assunto começa a ficar ainda mais interessante. Vou destacar um paper muito interessante do grupo da Shannon Turley, que saiu na Nature Immunology, em setembro do ano passado.

Nesse trabalho, são empregadas duas populações de células estromais, não hematopoéticas (“parentes” das MSCs), presentes nos linfonodos: a Fibroblastic Reticular Cell (FRC), encontrada na região de zona T, responsável pela secreção de diversos componentes da matriz extracelular e a Lymphatic Endothelial Cell (LEC), que como o próprio nome diz, encontra-se agregada aos vasos linfáticos. É descrito que as LECs possuem um papel muito importante na migração das células T nos seis corticais dos linfonodos.

Através de ensaios de co-cultivo dessas populações com esplenócitos seguidos de ativação, os autores definiram alguns mecanismos ainda não descritos na literatura. O papel imunossupressor, independente de outros leucócitos, dessas células sobre a proliferação das células T.

De forma resumida, eles observaram que após ativação, o IFNγ secretado pelas células T, juntamente com o TNF, era capaz de aumentar a expressão de iNOS nessas populações de células estromais e, consequentemente aumentarem a produção de NO pelas mesmas. Essa imunossupressão era contato-dependente, demonstrando íntimo contato entre células estromais e células T. Esse mecanismo já havia sido descrito para as MSCs. Não apenas in vitro,eles demonstraram que in vivo, células T OVA-específicas proliferavam mais quando as FRCs (transgênicas para expressão de OVA) eram deficientes de iNOS.

Dois meses após a publicação desse trabalho, um grupo suíço publicou um trabalho muito semelhante na PLos One, o qual descreveu esse mesmo mecanismo de imunossupressão utilizado pelas FRCs, além de uma interessante relação com as células dendríticas (Siegert et al., 2011).

Aparentemente, em todos os órgãos linfóides secundários deve haver uma subpopulação estromal que, acredito eu, sejam todas “parentes”, derivadas de um precursor comum, talvez as células tronco mesenquimais. Essas células devem regular e suprimir a constante ativação da resposta imune, a fim de que não haja nenhuma resposta exacerbada que possa causar dano ao tecido e resultar num evento autoimune. Acredito que não apenas nos órgãos linfóides secundários, mas em todos os tecidos do organismo o estroma deve ser de extrema importância na manutenção dessa homeostasia imunológica. Iremos aguardar por novos avanços nessa área e esperamos que nós, brasileiros, também possamos contribuir um pouco mais nessa área que vem ganhando bastante atenção nos últimos anos.

Post de Kalil Alves de Lima


Referências

Lukacs-Kornek V, Malhotra D, Fletcher AL, Acton SE, Elpek KG, Tayalia P, Collier AR, Turley SJ. Regulated release of nitric oxide by nonhematopoietic stroma controls expansion of the activated T cell pool in lymph nodes. Nat Immunol. 2011 Sep 18;12(11):1096-104. doi: 10.1038/ni.2112.

Siegert S, Huang HY, Yang CY, Scarpellino L, Carrie L, Essex S, Nelson PJ, Heikenwalder M, Acha-Orbea H, Buckley CD, Marsland BJ, Zehn D, Luther SA. Fibroblastic reticular cells from lymph nodes attenuate T cell expansion by producing nitric oxide. PLoS One. 2011;6(11):e27618. Epub 2011 Nov 14.

Mueller SN and Ahmed R. Lymphoid stroma in the initiation and control of immune responses. Immunol Rev. 2008 Aug;224:284-94.

Jones S, Horwood N, Cope A, Dazzi F. The antiproliferative effect of mesenchymal stem cells is a fundamental property shared by all stromal cells. J Immunol. 2007 Sep 1;179(5):2824-31.

Ren G, Zhang L, Zhao X, Xu G, Zhang Y, Roberts AI, Zhao RC, Shi Y. Mesenchymal stem cell-mediated immunosuppression occurs via concerted action of chemokines and nitric oxide. Cell Stem Cell. 2008 Feb 7;2(2):141-50.

3 comentários:

  1. Excelente texto Kalil. Parabéns!

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  2. Belo Post esse do Kalil, associando dados novos com o trabalho que eles desenvolvem.
    Muito bom.

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  3. Muito bem escrito o Post, e o assunto tem sido tratado com suma importância atualmente!
    está de parabéns, Kalil!

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