quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Você é o que você come?

Um trabalho publicado na Cell Research (NPG) de 20 de Setembro de 2011 sugere que a comida que comemos pode influenciar diretamente a expressão gênica no nosso organismo.

O trabalho foi o primeiro a demonstrar a regulação gênica entre os diferentes reinos Plantae e Metazoa. Nele, os autores mostraram que microRNAs de plantas não só podem ser encontrados no sangue e tecidos de humanos e outros mamíferos herbívoros, mas também alterar a expressão de genes nestes organismos.

Os microRNAs, como o próprio nome indica, são pequenas sequências de RNA (de aproximadamente 22 nucleotídeos) descobertas no início dos anos 1990. Eles se tornaram conhecidos pela sua capacidade de se ligar à moléculas de RNA mensageiro (mRNA) e “marcá-las” para degradação, resultando geralmente em inibição da expressão gênica.

A recente descoberta de que os microRNAs circulantes no sangue estão associados à fragmentos de membrana, entre eles exosomos e micropartículas (MPs), despertou um grande interesse nos estudo dos microRNAs como uma nova classe de biomarcadores para uma variedade de doenças. E foi precisamente estudando o seu papel em indivíduos sadios e doentes que o Dr. Chen-Yu Zhang, biólogo molecular da Universidade de Nanjing na China, inesperadamente descobriu que estas pequenas sequências também estavam presentes em outros fluidos, tais como leite. Com isso surgiu a “ideia maluca” de que microRNAs exógenos, ingeridos por exemplo pelo consumo de leite ou plantas, poderiam também ser encontrados circulando no soro de mamíferos.

Para testar esta hipótese, Zhang e sua equipe sequenciou os microRNAs no sangue de 31 chineses sadios procurando por sequências específicas de plantas. Os microRNAs de plantas são estruturalmente diferentes dos de mamíferos e são mais resistentes à agentes oxidantes, o que permitiu sua diferenciação dentre as sequências humanas no estudo.

Os pesquisadores encontraram cerca de 40 tipos de microRNAs de plantas circulando no sangue de indivíduos, alguns em concentrações comparáveis a microRNAs endógenos humanos. Dentre os microRNAs de plantas detectados, os mais abundantes foram MIR156a e MIR168a, muito enriquecidos no arroz, na couve-flor, no repolho e no brócolis (todos constituintes da base alimentar dos chineses). Além disso, os autores detectaram os dois tipos de microRNAs no sangue, pulmão, intestino e fígado de camundongos em variadas concentrações, que aumentaram quando os animais foram alimentados com arroz.

Os autores demonstraram ainda que MIR168a é capaz de se ligar ao mRNA da LDLRAP1 - proteína responsável pela remoção de Low-density lypoprotein (LDL) do sangue - e diminuir a expressão desta proteína. É possível que MIR168a possa alterar a função de 40 outros genes, o estudo afirmou.

Mas como os microRNAs ingeridos poderiam interagir com os mRNAs no nosso organismo?

Na hipótese dos autores, MIR168a poderia ser internalizado pelas células epiteliais que revestem o nosso trato digestivo, encapsulado em pequenas vesículas e secretado na corrente sanguínea, onde poderia alcançar outros órgãos. Uma vez no fígado, MIR168a se ligaria ao mRNA da LDLRAP1 reduzindo a expressão desta proteína e impedindo a remoção do LDL do sangue.

Para testar esta hipótese, os autores transfectaram MIR168a sintético em uma linhagem de células epiteliais e coletaram as vesículas secretadas. Quando estas vesículas foram incubadas com uma linhagem de hepatócitos (HepG2), os autores observaram que os níveis da proteína LDLRAP1 foram reduzidos.

De forma similar, os níveis de LDLRAP1 no fígado de camundongos alimentados de 3 a 7 dias com arroz fresco, ou injetados com a MIR168a sintética foram menores. Em consequência, os níveis de LDL no sangue destes animais foram significativamente maiores. Quando os pesquisadores injetaram em camundongos uma sequência de RNA que neutraliza MIR168a, os níveis de LDLRAP1 no fígado e de LDL no sangue retornaram ao normal.

Apesar dos mecanismos pelos quais os microRNAs exógenos regulam a expressão gênica em células humanas ainda permanecerem obscuros, estes resultados iniciais podem ajudar a entender como alguns ingredientes específicos da comida podem promover saúde ou doença. Exemplos recentes são os achados publicados em maio e outubro desse ano mostrando que o consumo regular de chocolate (aquele com maior teor de cacau) reduz o risco de doenças cardiovasculares e derrame (OBAAAAA!!!).

Alguns questionamentos que surgem a partir dos resultados deste estudo:

1) Como estes RNAs escapam da degradação pelas nucleases gastrointestinais?

2) Como os microRNAs de plantas são de fato internalizados pelas células? No artigo os autores usaram a transfecção, mas o mecanismo fisiológico pelo qual isso acontece ainda não é conhecido. Será que é via HDL, como sugerido previamente?

3) Como ingredientes específicos na comida podem determinar saúde ou doença?

Na minha opinião, este estudo abre perspectivas de uma nova e frutífera área para investigação científica.

É isso...



Referências:

Zhang L et al., Exogenous plant MIR168a specifically targets mammalian LDLRAP1: evidence of cross-kingdom regulation by microRNA. Cell Res. 2011. [Epub ahead of print].

Valadi H et al., Exosome-mediated transfer of mRNAs and microRNAs is a novel mechanism of genetic exchange between cells. Nat Cell Biol. 2007; 9(6):654-9.

Buitrago-Lopez A et al., Chocolate consumption and cardiometabolic disorders: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011; 343:d4488.

Larsson SC, Virtamo J, Wolk A. Chocolate consumption and risk of stroke in women. J Am Coll Cardiol. 2011; 58(17):1828-9.

3 comentários:

  1. Muito interessante... eu sei que os links dos papers estão no texto. Mas seria muito legal vê-los no final :) Obrigado

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  2. e não é que Hipócrates estava certo mesmo! :)

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  3. Caramba, MUITO legal! Vamos ter que reduzir na quantidade de arroz agora? Haha.

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