segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Quer controlar o HIV? Nuntium necare


Há um provérbio latim que diz o oposto do título do nosso post de hoje. Ne nuntium necare. Não mate o mensageiro. Aquele carinha que leva e traz as mensagens entre dois protagonistas de uma guerra. Essa profissão de mensageiro de guerra nunca foi das mais invejadas ou disputadas. Na antiguidade, muitas vezes sobrava mesmo para o mensageiro, quando a notícia transmitida de nada agradava um dos lados em pé de guerra. Nos meios corporativos, até hoje isso se repete, que diga o Julian Assange, criador do site de vazamento de informações confidenciais Wikileaks, ao ser preso em Londres no final do ano passado (veja uma das notícias da prisão aqui). Quando preso, Assange disse algo como “não mate o mensageiro por revelar verdades desconfortáveis”. Bem, o negócio de retaliar o mensageiro é bastante tentador a depender da mensagem transmitida. Isso parece óbvio. Há quem trace um paralelo entre esse provérbio na guerra, na política e ... na imunologia. Um editorial da Nature Medicine lembrou este provérbio ao referir os achados de um novo estudo em HIV (veja o editorial aqui). O grupo liderado pela Helen Horton, do Seattle Biomedical Research Institute (Seatle Biomed), publicou um paper recentemente mostrando que células T CD8+ específicas para o HIV podem proteger através da destruição de células T reguladoras (veja o paper aqui). O racional para o estudo é que certos alelos de MHC são associados com melhores desfechos clínicos, e que isso se relaciona com a ocorrência de intensas respostas de células T CD8+ específicas para o HIV. Esses indivíduos são conhecidos como HIV controllers, elite controllers, elite suppressors ou ainda long-term nonprogressors. Nesses indivíduos, a replicação do HIV é suprimida de tal maneira que a viremia fica abaixo do limite de detecção dos ensaios clínicos (caso esteja curioso, veja uma revisão sobre esse assunto aqui). Os mecanismos imunológicos envolvidos nesse controle da replicação viral ainda não é bem compreendido, e alguns estudos sugerem que alguns alelos de MHC do tipo I, tais como o HLA-B*57 e o HLA-B*27 são bastante prevalentes nesses indivíduos controladores. Bem, a gente já sabe há algum tempo que sabe que moléculas de MHC do tipo I apresentam antígenos às Celulas T CD8+, e que estas células são importantes são importantes para o controle da replicação viral. O que não se sabe ainda é porque alguns alelos de MHC I são mais associados à respostas CD8+ efetivas e controle viral do que outros.


O grupo da Helen Horton focou o estudo na correlação com as células T CD4+ reguladoras, aquelas que modulam as respostas imunes através da inibição das respostas T efetoras. A ação supressora das repostas realizada pelas Tregs é bem importante para reduzir inflamação crônica ou prevenir autoimunidade. Em alguns contextos, como infecção, as Tregs podem favorecer o patógeno através da redução das respostas efetoras protetoras. Na verdade isso é bem mais complexo e tem haver com o balanço entre a quantidade e qualidade das células efetoras e células reguladoras e existe uma farta literatura para matar a curiosidade dos interessados. Uma das moléculas usadas para essa regulação negativa das Tregs é a galectin-9, que se liga à Tim-3, uma molécula inibitória presente nas células T efetoras. Pronto, vamos deixar de embromação e ver de vez como esses assuntos foram amarrados no paper. Os autores mostram que células TCD8+ que reconhecem antígenos apresentados pelos alelos HLA-B*57 e HLA-B*27 são muito mais resistentes à supressão pelas Tregs do que as suas irmãs que reconhecem antígenos apresentados por outros alelos de MHC I. Os caras vão adiante e explicam que esse fenômeno tem haver com o fato de que as células TCD8+ restritas aos alelos supracitados expressam níveis de moléculas Tim-3 substancialmente mais baixos do que as células que reconhecem outros alelos. Para confirmar os achados, os autores mostram que o bloqueio da interação entre Tim-3 e galectina-9 resulta na diminuição da supressão mediada pelas Tregs sobre células T CD8+ que reconhecem outros alelos de MHC I. E o que essa história toda tem haver com o provérbio latim? Ao não serem suprimidas, as T CD8+ acabam causando apoptose das Tregs por citotoxicidade. A matança das Tregs reduz o efeito supressor sobre as células anti-virais efetoras. Ao matar o mensageiro, os portadores dos alelos HLA-B*57 e HLA-B*27 acabam por controlar melhor a replicação viral e ganham uma vantagem nessa guerra imunológica. Além de trazer uma explicação plausível para o entendimento das razões que levam ao controle do HIV por certas pessoas, o estudo ainda traz o bloqueio do Tim-3 como possível abordagem terapêutica. Com a ressalva de que essa estratégia deve ser estudada com calma, para não expor os pacientes ao risco de desenvolvimento de doenças autoimunes. Me parece que a guerra pelo controle da pandemia do HIV no futuro terá menos mensageiros.

Um comentário:

  1. Em tempo: Há imuneras considerações a serem feitas a respeito desse paper. A mais interessante delas na minha opinião é a seguinte:
    Pra mim, não está claro quem veio primeiro, o ovo ou a galinha rsrsr. Não sei se os pacientes que controlam a replicação do HIV possuem menos Tim-3 porque têm menos virus ou se eles têm menos carga viral porque tem menos Tim-3. Quando se tem menor carga viral, há conhecidamente redução de moléculas associadas com sinais inibitórios, tais como PD-1 e também Tim-3. Então, no caso do paper, não está claro se estamos olhando para a causa ou consequência do controle viral. Os caras (TCD8+) poderiam ter melhor atividade citolitica porque estariam em um patamar menor de exaustão e uma menor carga viral reduz essa exaustão e melhora a função dessas células. Existem outras questões nesse paper que podem ter outras explicações e que podem dar pano pra manga para muitas discussões. Recomendo o paper para um journal club, por exemplo.
    Abraços

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