domingo, 24 de julho de 2011

E se as Academias invadissem as escolas?

Por Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro
Membro Titular da Academia Nacional de Medicina
Pesquisador Titular e Ex-Diretor do Instituto Oswaldo Cruz


(publicado originalmente na Folha Dirigida, 21 a 27/07/2011, Caderno de Educação, Seção Sem Censura, pag. 3)

Concluí o discurso de posse e fui-me sentar no lugar reservado ao empossando e família, na primeira fila, frente a frente com os lugares destinados aos membros da Academia Nacional de Medicina (ANM), seleto grupo ao qual eu, emocionado, passava a integrar.

Após a eleição, durante o período preparatório da festa de posse, ouvira de vários futuros confrades: - “Em seu discurso, diga o que quiser e leve o tempo de que necessitar, nós lhe ouviremos”. Assim, já sabia a resposta à pergunta que fiz a minha mulher: - “Foi muito longo?” - 58 minutos, replicou, sem nenhum ar de julgamento.

Os discursos de posse na ANM seguem, como nas outras Academias, um protocolo previamente estabelecido – na nossa, há 181 anos. Assim, saudei o Patrono da cadeira que passava a ocupar, antes de ler o resumo biográfico de cada um dos seis Acadêmicos que nela me precederam, agradeci aos seis outros que integraram a Comissão nomeada para me acompanhar na entrada e saída do Anfiteatro, ao início e fim da cerimônia, homenageei o Presidente, em cuja gestão eu havia sido eleito e estava sendo empossado e disse, por fim, algumas palavras sobre o Acadêmico Paraninfo, que me recebia com o discurso de saudação, e ao Acadêmico e ex-Professor, que me entregara, comovido e orgulhoso, o diploma de Membro Titular.

É tradição que, após as saudações protocolares, o empossado discorra brevemente sobre um tema de sua escolha. Elegi a educação fundamental.

Evoquei a antropologia para dizer que o Homo sapiens é a única espécie de animal inteiramente dependente de sua cultura (ele tem que aprender até a sua humanidade). Citei a comparação / lugar comum entre Brasil e Coréia do Sul, que passou a ser feita a partir de um estudo do Banco Mundial que incluía vários países pobres em 1960. Comparada ao Brasil e Gana no estudo, a Coréia do Sul superou o Brasil, considerado, na época, país do futuro, em diversos indicadores. O Brasil liderava o grupo e tinha o dobro da renda per capita da Coréia. Os números se inverteram e a deles, em 2003, já era três vezes a nossa. Um brutal investimento em educação faz com que um coreano médio passe, hoje, mais tempo na Escola do que um europeu. Lá, cinco universidades nacionais de educação formam professores para o ensino fundamental. Elas têm um vestibular extremamente disputado e recrutam seus estudantes entre os 5% melhores do secundário! Esses vão ser professores no ensino fundamental. O número de vagas abertas nelas corresponde ao planejamento para o número de professores necessários para quatro ou cinco anos depois, e os que conseguem entrar nessas universidades têm emprego com bom salário praticamente assegurado. O ordenado inicial de professores de ensino fundamental é, em geral, superior aos salários iniciais de outras profissões graduadas. Vamos certamente chegar lá, mas por enquanto não parece muito com a nossa realidade. Não por coincidência Obama citou a Coréia, em seu discurso de início de 2011, como uma das metas dos Estados Unidos para Educação.

A essa altura do discurso, eu havia falado de 16 Acadêmicos e iria falar ainda da minha família e proceder aos agradecimentos finais. Palpava a pilha de folhas que restava a ler e, sem ousar olhar o relógio, fiz o que me pareceu possível: não li o texto abaixo, presente no escrito original, que correspondia à proposta que eu faria em público ao Presidente da Academia:

“Pensei, otimistica e ousadamente, Senhor Presidente, que, em um convênio de esforços com outras Academias, como as de Belas Artes, Ciências, Educação, Filosofia e outras, e a composição de duplas de Acadêmicos em cada uma delas, poderíamos vislumbrar a composição de Comitês Acadêmicos de Acompanhamento e Assessoramento de Escolas Municipais que aceitassem a nossa participação, e garantir não só atividades adicionais que os colocassem em contato com essas ciências, como lhes beneficiar com o prestígio dessas Casas para a captação de Recursos financeiros de forma a lhes facultar melhores condições de ensino. Eu sentir-me-ia rejuvenescido se pudesse trabalhar com alguns dos verdadeiramente jovens desta Casa como os Acadêmicos Affonso Tarantino, Helio Aguinaga, Júlio de Moraes, Pedro Sampaio além, naturalmente de Vossa Excelência. Um estudo prospectivo tipo caso / controle de longo termo nos permitiria avaliar o resultado de tal iniciativa”.

Passados 51 dias, a ANM era uma das três Instituições laureadas com o Prêmio Personalidade Educacional oferecido anualmente pela “Folha Dirigida”. Ouvi o discurso dos Diretores das Escolas e dos dez Professores também galhardeados. Impressionou-me, singularmente, o do aplaudido Professor João Pessoa Albuquerque, Membro do Conselho Estadual de Educação e Ex-Presidente da UNE. Em seu jeito descontraído e com a autoridade de seus 80 anos, Pessoa Albuquerque falou de improviso. Para meu deleite citou um artigo de sua autoria “E se invadíssemos as escolas?” em que propunha que profissionais de diferentes formações inserissem em sala de aula a realidade que os estudantes encontram fora dela. Foi a deixa para que me arrependesse de ter privado meus ouvintes de mais três minutos do suplício de minha longa fala. Resgato aqui o texto não lido, para dedicá-lo em público ao Presidente de nossa Academia, Acadêmico Pietro Novellino, e ao Professor Pessoa Albuquerque, na esperança de que a “invasão das Escolas” por Comissões compostas por um ou dois Acadêmicos de diferentes Academias (Nacionais e Estaduais) culturais e científicas do País seja do interesse dos Professores e Diretores de Escolas Municipais e Conselhos de Educação do País. Se partir deles o convite para a “Invasão”, quem sabe podemos usar a expressão “Adoção”. Afeito a siglas, proponho desde já batizá-la de “Programa Acadêmico Pessoa Albuquerque” (o PAPA) de Adoção das Escolas Municipais”.

Publicação aqui no blog foi sugerida por Mauricio Martins Rodrigues, Professor Associado e Livre Docente da UNIFESP.

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