sexta-feira, 10 de junho de 2011

Células Treg: guardiãs do nicho das Células Tronco Hematopoiéticas na medula óssea

Vejam que interessante, o trabalho publicado ontem, 9 de Junho, na revista Nature, sobre a importância das células T reguladoras CD4+/CD25+Foxp3+ para a condição imunoprivilegiada do nicho das células tronco hematopoiéticas progenitoras (HSPC), na medula óssea. Os pesquisadores partiram da observação que a frequência de células Treg é muito maior na medula óssea humana do que nos órgãos linfóides secundários. Seria isso uma causa de imunoprivilégio do nicho? Vale destacar que o nicho é, sabidamente, um sítio onde também existe reatividade imunológica.

Usando diferentes modelos murinos, os pesquisadores transplantaram, inicialmente, HSPC (C-kit+, Scal+, Lin-) singeneicas e alogeneicas, marcadas com DiD (corantes dialkylcarbocyanine) e, verificaram, por microscopia intravital (IVM), sua migração, sobrevida e interação com as Treg.

Também confirmaram que, realmente, há mais células Treg na população de CD4+ da medula óssea (23%) do que na do baço e linfonodos (13%). Viram (literalmente!) que as células Treg concentram-se, predominantemente, no nicho das HSPC, na medula óssea (15um da superfície endoosteal – onde há alta expressão do fator quimiotático SDF-1 – fator derivado de células estromais), e interagem com as HSPC. Tantos as HSPC singeneicas quanto as alogeneicas proliferavam pouco e sobreviveram muito bem (+/- 90% com 30 dias), no nicho da medula óssea do crânio, em animais não imunossuprimidos. A sobrevivência das HSPC alogeneicas (Alo) dependia da presença das Treg, uma vez que quando elas eram depletadas, por diferentes abordagens (com anticorpo anti-CD25 e usando os camundongos FoxP3–GFP diphtheria toxin receptor - DTR), as HSPC alo eram rejeitadas (sobrevida caia em 70-90%).

A próxima observação interessante foi que a proteção das células alogênicas ocorria, apenas, para as progenitoras, e não para as HSC diferenciadas (Lin+). Quais os mecanismos? Por que o fenômeno era diferente para as células progenitoras e as células diferenciadas?

Começaram a busca de possíveis explicações. As HSPC transferidas sobreviventes eram funcionais e conservam sua capacidade de diferenciação em múltiplas linhagens. Verificaram também que as HSPC alo não eram rejeitadas por ignorância. Elas expressam MHC de classe I, até mais do que as células B, e são capazes de induzir resposta alogeneica. O que era então?

Ver, muitas vezes, faz toda diferença, não é mesmo? Pois é. Eles olharam e viram. Viram que as células progenitoras (Lin-) migravam para bem juntinho das Treg (a 20um), enquanto as diferenciadas (Lin+), muito menos. As Treg da medula dos animais transplantados tinham maior expressão de IL-10 em relação àquelas do baço e da medula, assim com da medula dos não transplantados. Para resumir a história (não quero tirar toda a graça da leitura do trabalho original! É curtinho; vale a pena ler!), confirmaram a importância da IL-10 (e não de TGF-b) no mecanismo protetor das células Treg no nicho das HSPC da medula óssea.


Figure 2 FoxP3 Treg cells accumulate on the endosteal surface, form clusters around adoptively transferred HSPCs and around allo-HSPCs that survive after 30 days. a, In vivo imaging of the tibia trabecular bone marrow of B6 FoxP3–GFP mice transplanted with DiD-labelled B6 KSL HSPCs. FoxP3–GFP Treg cells (green) accumulate on the endosteal surface. Of DiD-labelled B6 KSL HSPCs (red) 81% (83 of 103) home within 20 mmof Treg cells. Blue, bone. Black area is bone marrow cavity. The maximal imaging depth of the tibia trabecular bone marrow was approximately 150 mm below the bone surface, whereas the size of the tibia bone marrow space confined by anastomosing trabeculae ranged between 50 and 250 mm based on the micro-computed tomography analysis (data not shown). b, Histogram depicting the distance of FoxP3–GFP Treg cells to the endosteal surface. Three-dimensional (3D) results were obtained by IVM, whereas two-dimensional (2D) results were obtained from histological sections. c, Frequency of adoptively transferred KSL cells (89% (338 of 380)) and Lin1 cells (12% (42 of 330)) homing within 20 mm of FoxP3–GFP Treg cells in the skull bone marrow. d, In vivo imaging of 5-FUresistant DiD-labelled KSL HSPCs (red) forming clusters with FoxP3 Treg cells (green) on the endosteal surface. Blue, bone. Black area is bone marrow cavity. e, Spatial distribution of B6 KSL HSPCs surviving in the skull bone marrow of non-irradiated BALB/c FoxP3–GFP mice for 30 days relative to the endosteal surface and Treg cells. Measurements were taken from three-dimensional in vivo skull bone marrow image stacks.





Para estimular discussão
A despeito da existência de vários tipos de células T com atividade supressora, as Treg CD4+CD25+Foxp3+ estão espalhadas pelo organismo e desempenham papel crucial em diversos contextos biológicos. Agora, mais uma importância: as Treg atuam como guardiãs dos nichos das células tronco hematopoiéticas, na medula óssea. É possível que elas desempenhem papel semelhante em outros nichos do organismo.

Para mim, uma reflexão teórica sobre este e outros trabalhos é que cada vez mais ampliamos nossa visão do sistema imune, como um sistema interativo com diversos outros sistemas. Tenho proposto que poderíamos considerar as células tronco adultas também como parte do sistema imune, por sua importante capacidade supressora. Assim como as Treg, estão espalhadas em praticamente todos os tecidos.
Penso novamente na reflexão da Polly Matzinger de que talvez devêssemos também considerar todos os tecidos como parte do sistema imune, uma vez que eles também imunologicamente ativo; respondem aos sinais moleculares do sistema imune e emitem novos sinais.

Acredito que ainda temos muito a aprender sobre as interações das células tronco adultas com as Treg e com tantas outras células do sistema imune, atuando conjuntamente na manutenção da homeostase.




Boa leitura e boa discussão!



Referência
In vivo imaging of Treg cells providing immune privilege to the haematopoietic stem-cell niche.
Joji Fujisaki, Juwell Wu,Alicia L. Carlson, Lev Silberstein, Prabhakar Putheti, Rafael Larocca, Wenda Gao, Toshiki I. Saito, Cristina Lo Celso, Hitoshi Tsuyuzaki,Tatsuyuki Sato,Daniel Côté, Megan Sykes,Terry B. Strom, David T. Scadden, & Charles P. Lin. Nature Volume: 474, Pages: 216–219 Date published: (09 June 2011), DOI: doi:10.1038/nature10160

2 comentários:

  1. Esse artigo é muito interessante.. e vem mais por ai.

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  2. Gostaria de deixar os parabéns ao nosso amigo Rafinha (Rafael Larocca), formado aqui na Imuno da USP e co-autor do trabalho, pelo ótimo paper. Abraço

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