sexta-feira, 8 de abril de 2011

Parasitismo neoplásico

Post por Marcelo J. Barbosa Silva
Professor de Imunologia - UFU




É possível que as neoplasias possam influenciar o metabolismo das células adjacentes e com isso “cancerizar” o seu microambiente?
As células em volta de um tumor entram num processo de cancerização cujo mecanismo ainda não esta claro. Esse ambiente é importante para a manutenção e crescimento das células tumorais. Existem diferentes mecanismos que parecem explicar esse fenômeno e um deles tem relação com a produção de óxido nítrico (NO) e espécies reativas de oxigênio (ROS). Esse stress oxidativo que ocorre no microambiente tumoral foi denominado de stress oncogênico.
A molécula chave desse processo é uma proteína denominada Caveolina – 1 (CAV-1). Essa proteína é expressa em células mesenquimais diferenciadas como fibroblastos, adipócitos e células endoteliais. A sua expressão é inibida em resposta a diferentes estímulos oncogênicos como mutação no gene H-Ras, perda do p53 e super-expressão do c-Myc. Em câncer de mama, a perda da expressão de CAV-1 esta associado com pior prognóstico.
Células tumorais podem induzir stress oxidativo em fibroblastos adjacentes causando aumento na produção de ROS. A produção desses radicais podem causar danos ao DNA e instabilidade gênica alterando o fenótipo dessas células. Elas passam a ser conhecidas como fibroblastos associados ao câncer (CAF). Essa onda de stress oxidativo é passado de células para células num efeito cascata cujo mecanismo não é conhecido. Assim que os fibroblastos se transformam, a expressão de CAV-1 é reduzida e, com isso, ocorre um aumento na expressão da óxido nítrico sintase indutível (iNOS). Com isso, os CAFs passam a produzir altos níveis de óxido nítrico (NO). Em concentrações elevadas, essa molécula altera a função da membrana mitocondrial o que eleva a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS). Nesse cenário, o stress oxidativo vai induzir autofagia das mitocôndrias dos CAFs o que força as células a utilizarem a glicólise aeróbica para produção de ATP. Os sub-produtos da glicólice como piruvato e lactato produzidos e liberados pelos CAFs são excelentes fontes de energia para a célula tumoral. Tais substratos são captados pela mesma através de transportadores de membrana e esses entram na via do ácido tricarboxílico que, após várias reações de óxido-redução, produzirão ATP.   
Não só fibroblastos mas macrófagos podem estar envolvidos nesse processo. É comum que cortes histológicos de diferentes tumores mostrem infiltrados de macrófagos. Tais células são importantes para eliminar as células tumorais ali presentes. No entanto, sabe-se bem que a ativação de macrófagos induz a queima respiratória caracterizada por grande consumo de oxigênio e produção de NO e ROS. Alguns trabalho vêm demonstrando que macrófagos associados a tumores (TAM) podem favorecer o crescimento do mesmo através da produção de NO, induzindo a produção de VEGF e MMP-9 nas células tumorais, levando à formação de vasos e invasão tumoral. Talvez esses mesmos macrófagos possam estar envolvidos na formação dos CAFs. Mediante disso, temos uma linha tênue entre benefício/malefício do infiltrado inflamatório no desenvolvimento de tumores fazendo com que esse assunto seja motivo de discussão.
Sendo assim, o ambiente oxidativo criado pelo tumor ou pelas células inflamatórias  causa alterações nas células em sua volta induzindo a produção de nutrientes pelas mesmas numa relação que beneficia apenas as células tumorais em detrimento das outras células, caracterizando uma espécie de parasitismo.
Referências principais
Martinez-Outschoorn UE, et al. Stromal–epithelial metabolic coupling in cancer: Integrating autophagy and metabolism in the tumor microenvironment. Int J Biochem Cell Biol (2011)
Ubaldo E Martinez-Outschoorn, Renee M Balliet, Dayana B Rivadeneira et al.  Oxidative stress in cancer associated fibroblasts drives tumor-stroma co-evolution: A new paradigm for understanding tumor metabolism, the field effect and genomic instability in cancer cells. Cell Cycle 2010 vol. 9 (16) pp. 3256-76.

Um comentário:

  1. Sem dúvida. Não só espécies reativas de oxigênio, mas os macs recrutados também fazem citocinas inflamatórias como Il-6 que por sua vez induzem o crescimento do tumor. Muito legal o post.

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