quarta-feira, 28 de julho de 2010

Participação de vias mediadas por eicosanóides na regulação da imunidade adaptativa contra o Mycobacterium tuberculosis

Post de Theolis Barbosa Bessa.
A interferência de micobactérias tuberculosas virulentas no tráfico de vesículas intracelulares é bastante estudada como estratégia de evasão à digestão pelas enzimas lisossomais. O M. tuberculosis sobrevive no interior do macrófago em um fagossomo primário, cuja fusão com o lisossomo é inibida pela lipoarabinomanana com resíduo de manose terminal (ManLAM), um fosfatidilinositol manosídeo da parede do bacilo (1).

Divangahi e colaboradores têm demonstrado que, além dessa capacidade de interferir com o tráfico lisossomal para evitar a maturação do fagossomo, o bacilo também interfere com o tráfico lisossomal e de vesículas do Golgi para a membrana plasmática, que constitui um importante mecanismo de reparo da membrana celular (2). Como o bacilo também induz a geração de microrupturas na membrana plasmática, a célula infectada evolui para a morte. M. tuberculosis H37Rv induz a produção de lipoxina A4 (LXA4), inibindo a produção de prostaglandina E2 (PGE2). A PGE2 induz a exocitose de lisossomos através de uma via dependente de cAMP e elevação do cálcio intracelular, e sua inibição pelo M. tuberculosis impede que a célula repare a membrana plasmática. Além disso, predispõe a célula hospedeira para a necrose, o que os autores demonstram in vitro e in vivo utilizando camundongos deficientes na síntese de LXA4 (Alo5-/-) ou deficientes na produção de PGE2 (Pgtes-/-).

Em trabalho recente, Divangahi e colaboradores procuraram estabelecer a importância da inibição da PGE2 pelo bacilo na indução da resposta imune à infecção tuberculosa. Os autores demonstraram que nos camundongos Alo5-/- infectados com M. tuberculosis as células T CD8+ específicas para antígenos da micobactéria acumulam-se mais cedo no linfonodo drenante e nos pulmões, resultando em diminuição da carga bacilar em comparação com camundongos do tipo selvagem (3). O acúmulo precoce de células T CD8+ efetoras contra o bacilo foi dependente da presença de células dendríticas e da apresentação de antígenos via proteína adaptadora de transporte 1 (TAP1) e complexo principal de histocompatibilidade do tipo I (MHC I), além da ocorrência de apoptose mediada por caspases 8 e 9. Os autores sugerem que a indução de apoptose durante o processo inflamatório constitui um mecanismo importante de indução da resposta imune precoce na infecção tuberculosa, por favorecer a apresentação cruzada de antígenos por células dendríticas a células T CD8+.

O estudo de Divangahi e colaboradores é muito importante por demonstrar mais um mecanismo onde se evidencia a interdependência entre os fenômenos celulares e a resposta imune, nesta complexa interação entre a micobactéria e o hospedeiro. Mais estudos serão necessários para avaliar se esta indução precoce da resposta imune contra o bacilo pode levar à proteção do hospedeiro contra a micobactéria. Foi demonstrado que a vacinação com Bacilo de Calmette-Guérin (BCG) é capaz de induzir uma resposta 5 dias mais precoce de migração de células T efetoras para os pulmões de camundongos desafiados com a micobactéria tuberculosa, mas apesar da redução da carga bacilar em um log a doença se produziu tanto nos animais experimentais vacinados como nos controles (4). A vacina BCG também tem uma eficácia muito variável contra a tuberculose em populações humanas, indicando que a resposta no homem pode divergir da encontrada no modelo murino.


Referências:

1. Fratti RA, Chua J, Vergne I, Deretic V. Mycobacterium tuberculosis glycosylated phosphatidylinositol causes phagosome maturation arrest. Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 2003 Abr 29;100(9):5437-5442.

2. Divangahi M, Chen M, Gan H, Desjardins D, Hickman TT, Lee DM, et al. Mycobacterium tuberculosis evades macrophage defenses by inhibiting plasma membrane repair. Nat. Immunol. 2009 Ago;10(8):899-906.

3. Divangahi M, Desjardins D, Nunes-Alves C, Remold HG, Behar SM. Eicosanoid pathways regulate adaptive immunity to Mycobacterium tuberculosis. Nat. Immunol. 2010 Ago;11(8):751-758.

4. Cooper AM, Khader SA. The role of cytokines in the initiation, expansion, and control of cellular immunity to tuberculosis. Immunol. Rev. 2008 Dez;226:191-204.



O Mycobacterium tuberculosis interfere no tráfico intracelular de vesículas e impede a morte celular por apoptose. O bacilo virulento inibe a fusão fagossomo-lisossomo, processo que depende da aquisição da proteína G de endereçamento intracelular Rab7 pelo fagossomo. O bacilo também interfere na exocitose de vesículas lisossomais e do Golgi para a membrana plasmática (MP), mecanismo responsável pelo reparo da MP. A exocitose dessas vesículas é dependente da elevação do cálcio intracelular, que sinaliza a receptores na superfície das mesmas (sensor neuronal de cálcio 1 – NCS-1, em vesículas do Golgi, e sinaptotagmina 7 – Syt-7, em lisossomos). A inibição da elevação intracelular do cálcio é um fenômeno bem estudado na infecção por bacilos virulentos. Por outro lado, a inibição, por esses bacilos, da síntese de PGE2 por indução de LXA4 leva à inibição da liberação de fosfatidil inositol trifosfato (PI(3)K), que media a exocitose de vesículas lisossomais e a maturação do fagossomo, e à predisposição para indução de necrose em lugar da apoptose. A apoptose do macrófago infectado também é inibida pela indução da proteína de superfície da mitocôndria Bcl2 (B cell lymphoma 2). A inibição da apoptose interfere na apresentação cruzada de antígenos e indução precoce da resposta imune, e favorece a morte por necrose, que libera bacilos viáveis, capazes de infectar novos macrófagos.

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