Entre 19 e 23 de junho estive no congresso da Focis (Federation
of Clinical Immunology Society). Já
estive em várias Focis,
e sempre fica uma impressão
um pouco estranha. A idéia
é ser um congresso
“translacional”, mas a minha impressão
e de que fica assim, meio no ar… Não
que não tenha
palestras excelentes, mas não
existe realmente uma unidade de tema(s), e ao final do programa, fica a
pergunta: mas qual foi a mensagem do congresso mesmo?
Imagino que é
difícil mesmo fazer
um congresso sobre a transição
bancada/tratamento, em qualquer área.
Mas acho que um dos problemas da Focis é
que tenta ser muito para todos, e acaba não trazendo muito para ninguém. Afinal, é
transição em
autoimunidade, alergia, cancêr,
reumatologia, doenças
infecciosas, transplantes? E óbvio
que não se pode
cobrir todas estas áreas,
mas acabamos tendo palestras em todas elas. De certa forma, até que é interessante, porque dá uma geral em várias áreas que não acompanho de perto.
Mas o problema é
que, se fosse realmente sobre transição,
haveria até uma
unidade entre as áreas
diferentes. Mas a maioria das pessoas dá
a sua apresentação
de sempre, e mesmo sendo uma palestra excelente, acaba sendo assim, coisas que
você poderia ter no
congresso de imunologia, ou de reumatologia, ou alergia, e num contexto muito
mais rico.
É
pena, porque um dos aspectos que eu gosto da Focis é que é
um congresso menor e com poucas sessões
plenárias em
paralelo, assim dá
para assistir quase tudo. Enfim, talvez estou sendo muito crítica, mas na última vez que estive no
Focis foi em 2007, e agora, 2012, parece que não mudou. E conversando com outras pessoas o
sentimento parece ser mútuo.
Mas enfim, o congresso foi em Vancouver, Canadá, foram 3 dias lindos,
depois choveu mas por pouco tempo. E Vancouver é maravilhosa, visitem se puder.
E apesar das tentações,
assisti as palestras direitinho para poder contar para vocês. Como sempre na Focis,
as células Treg
foram as estrelas. Várias
palestras sobre o potential de uso como imunoterapia (Kathryn Wood, Maria-Grazia
Roncarolo, Kevan Herold). A da Maria-Grazia foi a mais interessante, discutindo a indução das Treg 1 in vitro para terapia. Ela mencionou
que apesar da terapia com Tregs (em transplante de medula óssea com doador haploidêntico) ter se mostrado
segura, o problema tem sido obter células
suficientes in vitro para a terapia. Os
protocolos de expansão
que o grupo dela usa resulta em uma alta contaminação (~ 80%) de células efetoras, e ela disse que não existem marcadores
efetivos para diferenciar células
Treg1 de outras células
como as T efetoras. Assim, o grupo dela partiu para um estudo de expressão gênica para identificar os
marcadores (achei estranho que isto só
esta sendo feito agora, depois de tanto tempo, mas enfim…). Em colaboração com o Richard
Flavell, eles descobriram que usando CD49b e LAG3, tanto em gente quanto em
bicho (camundongo), é
possível se
identificar Treg1 in vitro.
Houve também
várias palestras
sobre os diferentes ‘subtipos’ de Treg, as chamadas Th1-Treg, Th2-Treg, Th17-Treg
etc, e de como estes subtipos teriam uma regulação preferencial para cada resposta, quer dizer, a
Th1-Treg agiria preferencialmente sobre células Th1, etc. Enfim, Treg para todos os gostos.
E teve uma palestra ótima
do Shimon Sakaguchi sobre FoxP3 e metilação
em Tregs. Basicamente, ele falou sobre qual é o papel do FoxP3 em estabelecer o fenótipo da Treg, porque as
células inseridas com FoxP3 não são
tão
imunossupresoras quanto as Treg “naturais”, não-induzidas (nTreg). Como diferenciar entre funções independente e dependentes
do FoxP3? O grupo dele descobriu que as nTreg são hipometiladas em genes associados com a função Treg, e estas mudanças epigenéticas são independentes de
FoxP3. Se estas regiões
são metiladas a
supressão das Tregs
diminui. Ele citou que a instabilidade dos marcadores Treg em Treg induzidas
pode estar relacionada ao padrão
epigenético destas
iTreg. Ele não sabe
exatamente o que induz as mudancas epigenéticas nas nTreg, mas ele disse que a ativação crônica do receptor de célula T induz
parcialmente estas mudanças
epigenéticas. O
papel da IL-2 também
não está claro. Ele concluiu
dizendo que Foxp3 contribui para a intensidade, e as mudancas epigenéticas, para a duração, do fenótipo das nTreg.
Outro ponto interessante foi uma palestra da Raphaela
Goldbach-Mansky sobre doenças
autoinflamatórias monogênicas (as mais
conhecidas são
provavelmente a Febre Familial Mediterrânea (FMF), com mutações na pyrin (pirina?),
e a NOMID, com mutações
no inflamasoma NLRP3), incluindo novas
descobertas como a DIRA, com mutações no IL-1receptor antagonista (IL1ra), e a DITRA, mutações na
IL-36, parte da família
da IL-1, e que estimula DCs e células
T. Tem também a
CAMPS, psoríase
associada à
CARD14/CARMA2, e que responde a anticorpos anti-p40 (parte da IL-12 e IL-23), e
a PRAAS/CANDLE, associada com mutações em
PSMB8, um dos componentes do proteasoma, e que não responde a terapia anti-IL1. Vamos descobrir relações que nem imaginávamos…
Também
se falou sobre a polarização
dos macrófagos/monócitos (M1, M2 e
derivados), com o Alberto Mantovani falando sobre o receptor de quimiocinas atípico D6, e de que camundongos
D6-/- tem um aumento de monocitos inflamatórios (Salvino et al, 2012). Outro tema que está aparecendo são as Myeloid Derived
Suppressor Cells (MDSC), que talvez se tornem as Treg do futuro.
Tak Mak deu uma palestra divertida, sobre os últimos transgênicos do seu lab, mas
que não teve muito
de transição. Mas
como ele é provavelmente
o imunologista canadense mais famoso, claro que não podia faltar.
Acho que estes foram os destaques. Talvez o resumo poderia
ser, a dificuldade de se levar a pesquisa da bancada para o tratamento…
Claudia,
ResponderExcluirMuito legal o post, principalmente essa associaçao entre epigenética e Tregs. Esses dados já foram publicados?
Oi Pedro,
ResponderExcluirQue eu me lembre o Sakaguchi disse que eram dados ainda nao publicados.
andamos lendo um monte sobre isso, e ja vi o lafaille e o ahmed falarem coisas semelhantes... e esse negocio da T reg especifica pra subpopulacao de TH, hein? mto legal... Valeu Claudia!
ResponderExcluirOlá, Cláudia, tudo bem? Muito interessante o post!
ResponderExcluirTenho algumas dúvidas, não sei se foi mencionado no congresso, mas esses níveis de metilação de Foxp3 se referem aquela região TSDR (Treg specific demethylation region)? Porque tem trabalhos interessantes saindo nessa área falando que o nivel de metilação ou demetilação dessa região está associado a expressão de foxp3 e consequente estabilidade de Tregs...
E essa história de Tregs específicas pra subpopulações de TH se refere a fatores de transcrição? Ou seja, para suprimir respostas Th2, por exemplo, Tregs passam a expressar o fator de transcrição IRF-4; para suprimir respostas Th1, passam a expressar t-bet, e assim sucessivamente? Desculpe o tanto de perguntas, é que são tantas coisas saindo sobre Tregs, que fica difícil me manter informado!
Muito obrigado!