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domingo, 31 de agosto de 2014

JOURNAL CLUB IBA: ATIVIDADE ANTITUMORAL DE CÉLULAS TH9


As células T CD4+ naive, quando ativadas por antígenos específicos, podem se diferenciar em subpopulações distintas de células T helper, sendo essa diferenciação dependente do microambiente, ou seja, das citocinas presentes durante a ativação dessas células. As células T helper clássicas são os linfócitos Th1, cuja polarização é induzida pela citocina IL-12 e Th2, cuja polarização é induzida pela citocina IL-4 e foram primeiramente descritas na década de 80. No entanto, outras subpopulações têm sido descritas, tais como Treg, Th folicular, Th17, Th22 e Th9. As células Th9 foram descritas como uma subpopulação específica de célula T CD4+ produtora de IL-9 por Dardalhon e colaboradores e por Veldhoen e colaboradores em 2008 (1,2). Esses estudos demonstraram que células Th9 podem ser diferenciadas tanto a partir de células Th2 estimuladas com TGF-β, como a partir de células T CD4+ naive estimuladas na presença das citocinas TGF-β e IL-4. Além disso, outros trabalhos demonstraram que além da IL-9, células Th9 também produzem IL-10 e IL-21, sendo IRF4 e PU.1 os principais fatores de transcrição envolvidos na diferenciação desse fenótipo, os quais são fatores que também estão relacionados à diferenciação de Th2 e Th17 (3,4). Desde a descoberta dessa subpopulação celular, trabalhos vêm mostrando um papel importante de células Th9 no desenvolvimento de doenças alérgicas e de doenças autoimunes.  No entanto, Lu et al (2009) e Purwar et al (2012) tem apontado para uma possível ação antitumoral em modelos de melanoma pulmonar e melanoma cutâneo, respectivamente.  Esses trabalhos evidenciaram que capacidade antitumoral dessas células é dependente da produção de IL-9, entretanto os mecanismos celulares e moleculares envolvidos ainda não são completamente elucidados. Nesse sentido, o trabalho de Végran e colaboradores publicado na Nature Immunology (2014) estudam de forma mais detalhada a atividade antitumoral das células Th9, assim como os mecanismos moleculares envolvidos nessa atividade.
Nesse trabalho, os autores demonstraram que a citocina IL-1β foi capaz aumentar a produção de IL-9, IL-10 e IL-21 pelas células Th9, sendo que esse aumento foi decorrente da expressão de IRF1, já que somente as células Th9 que foram diferenciadas na presença de IL-1β expressaram esse fator de transcrição. Além disso, os autores mostraram qual a via de sinalização envolvida no aumento da produção de IL-9, IL-10 e IL-21 na presença de IL-1β. Foi observado que IL-1β sinaliza via o receptor de IL-1 (IL-1R), que uma vez ativado, recruta e ativa a molécula adaptadora Myd88. Esta, por sua vez, ativa a proteína quinase Fyn que fosforila STAT1 (e não NF-kB). STAT1 fosforilada se torna ativada e migra para o núcleo, onde se liga na região promotora de Irf1, levando a expressão dessa proteína. IRF1 então se liga, sobretudo, na região promotora de il-9 e il-21, levando ao aumento na produção dessas citocinas. 
Além disso, para comprovar a atividade antitumoral das células Th9 in vivo, nesse mesmo estudo, foram transferidas adotivamente células Th9 diferenciadas na presença ou ausência de IL-1β para camundongos com melanoma ou com adenocarcinoma pulmonar. Foi observado que as células Th9 diferenciadas na presença de IL-1β tiveram uma maior capacidade antitumoral quando comparadas às diferenciadas na ausência de IL-1β, e que essa atividade foi dependente da produção de IL-21 pelas células TH9 diferenciadas na presença de IL-1β. A atividade antitumoral de IL-21 foi decorrente da capacidade da citocina potencializar a produção de IFN-γ por células TCD8+ e NK.
Esses dados demonstram o papel importante das células Th9 na resposta antitumoral, assim como o papel da citocina IL-1β potencializando essa resposta. Nas células Th9, IL-1β induz a expressão de IRF1, que por sua vez leva ao aumento da produção de IL-21, a qual atua potencializando a produção de IFN-γ por células TCD8+ e NK e, consequentemente, aumentando a atividade citotóxica dessas células contra células tumorais (Figura 1).


Figura 1. Diferenciação de Th9 na presença de IL-1β é dependente de STAT1 e IRF e leva ao aumento da produção de IL-9 e IL-21 (adaptato de Quezada & Peggs, 2014).

Referências Bibliográficas
1.     Dardalhon, V. et al. IL-4 inhibits TGF-beta-induced Foxp3+ T cells and, together with TGF-beta, generates IL-9+ IL-10+ Foxp3(-) effector T cells. Nat Immunol. 9, 1347-55 (2008).
2.     Veldhoen, M. et al. Transforming growth factor-beta 'reprograms' the differentiation of T helper 2 cells and promotes an interleukin 9-producing subset. Nat Immunol. 9, 1341-6 (2008). 
3.     Chang, H.C. et al. The transcription factor PU.1 is required for the development of IL-9-producing T cells and allergic inflammation. Nat Immunol. 11, 527-34 (2010).
4.     Staudt, V. et al. Interferon-regulatory factor 4 is essential for the developmental program of T helper 9 cells. Immunity. 33, 192-202 (2010).
5.     Purwar, R. et al. Robust tumor immunity to melanoma mediated by interleukin-9-producing T cells. Nat. Med. 18, 1248–53 (2012).
6.     Lu, Y. et al. Th9 cells promote antitumor immune responses in vivo. J. Clin. Invest. 122, 4160–71 (2012).
  1. Végran, F. et al. The transcription factor IRF1 dictates the IL-21-dependent anticancer functions of TH9 cells. Nat Immunol. 15,758-66 (2014).
  2. Quezada, S.A.; Peggs, K.S. An antitumor boost to TH9 cells. Nat Immunol. 15, 703-5 (2014).

Post de Jéssica Cristina dos Santos e Júlia Teixeira Cottas de Azevedo (doutorandas IBA –FMRP-USP)

sábado, 30 de agosto de 2014

29 de Agosto - Dia Nacional de Combate ao Fumo (e Atividades de Divulgação Científica até Fevereiro de 2015)

O tabagismo é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a principal causa de morte evitável em todo o mundo. A OMS estima que um terço da população mundial adulta, isto é, 1 bilhão e 200 milhões de pessoas (entre as quais 200 milhões de mulheres), sejam fumantes. Pesquisas comprovam que aproximadamente 47% de toda a população masculina e 12% da população feminina no mundo fumam.

As estatísticas revelam que os fumantes comparados aos não fumantes apresentam um risco 10 vezes maior de adoecer de câncer de pulmão; 5 vezes maior de sofrer infarto; 5 vezes maior de sofrer de bronquite crônica e enfisema pulmonar e 2 vezes maior de sofrer derrame cerebral.

No Brasil, o câncer de pulmão é o tipo de tumor mais letal e também uma das principais causas de morte no país. Ao final do século XX, o câncer de pulmão se tornou uma das principais causas de morte evitável. O consumo de tabaco é o mais importante fator de risco para o desenvolvimento de câncer de pulmão. Comparados com os não fumantes, os tabagistas brasileiros têm cerca de 20 a 30 vezes mais risco de desenvolver câncer de pulmão.

A OMS classificou o tabaco como um dos fatores que mais contribuem para a epidemia de doenças não contagiosas como ataques cardíacos, derrames, câncer e enfisema. O grupo é responsável por 63% de todas as mortes no mundo. Outras doenças relacionadas ao tabagismo são: hipertensão arterial, aneurismas arteriais, úlcera do aparelho digestivo, trombose vascular, osteoporose, catarata, impotência sexual no homem, infertilidade na mulher, menopausa precoce e complicações na gravidez.
No Brasil, em dias atuais o tratamento do tabagismo tem como referência o Sistema Único de Saúde (SUS), sendo regulado por Portarias do Ministério da Saúde (Portaria nº 1.035/2004 ePortaria nº 442/2004) que ampliam o acesso da abordagem nos 3 níveis de atenção à saúde (básica, média e alta complexidade).
Esse modelo de tratamento é baseado na abordagem cognitiva e comportamental, possibilitando que o tratamento seja realizado em grupo ou individualmente, e tem como objetivo  auxiliar o fumante a desenvolver habilidades que o auxiliarão a permanecer sem fumar. O apoio medicamentoso, quando necessário, é outro recurso usado no tratamento do tabagismo e disponibilizado na rede SUS.
Não obstante a isso, setores da sociedade civil mostram-se presente na temática de prevenção ao tabagismo, desde empresas, ONGs e ações individuais que realizam programas preventivos com intuito de conscientizar o indivíduo sobre consequências do tabaco à saúde.


Uma ação importante é a que tem sido desenvolvida pela UNESP, campus de Botucatu, desde a época em que eu era membro da Liga do Câncer de Botucatu, onde e quando implantamos a Campanha Antitabagismo, com auxílio das professoras Ilma e Florence Kerr Correa. Atualmente, a Liga de Pneumologia e Otorrinolaringologia e responsavel pelo projeto em Botucatu:

"FMB PROMOVE CAMPANHA ANTITABAGISTA NO DIA MUNDIAL SEM TABACO

Dia 31 de maio é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o Dia Mundial sem Tabaco. Diversas campanhas e ações de combate ao hábito de fumar são executadas em vários países, entre eles o Brasil. Em Botucatu, a Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), através da Liga de Pneumologia e Otorrinolaringologia- formada por alunos e docentes destas especialidades- organizaram campanha informativa destinada a todos que passaram pelo Boulevard do Hospital das Clínicas e blocos de atendimento, como funcionários e pacientes.

“Entregamos panfletos e conversamos com as pessoas que se utilizam dos serviços do hospital, como forma de conscientizar sobre os malefícios do cigarro e o que a pessoa que deseja parar de fumar deve fazer”, afirma Fábio Henrique Ribeiro, aluno de Medicina e presidente da Liga de Pneumologia e Otorrinolaringologia da FMB.

Os fumantes de Botucatu, que desejam largar o vício, podem procurar atendimento no Centro Saúde Escola e no Ambulatório Regional de Especialidades. “No Hospital das Clínicas, nós atendemos quem quer parar de fumar, mas vem de cidades onde não há serviços de apoio”, diz a docente do Departamento de Clínica Médica, Suzana Tanni Minamoto. " 


Outra atividade é a seguinte:


"Com a proposta de desmistificar o câncer e trazer a ciência para perto da sociedade, o projeto INCiTO – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Oncogenômica – liderado pelo A.C.Camargo Cancer Center, com o apoio da FAPESP e do CNPq, apresenta a exposição Câncer: Conhecer para Prevenir em cinco populosas cidades do interior de São Paulo.
O trabalho, itinerante, começa a caminhada em Piracicaba, que abrigará os 22 painéis que compõem a exposição, em uma data especial: 29 de agosto (Dia Nacional de Combate ao Fumo) e segue até dia 25 de setembro, na Rua do Porto. Na sequência, os painéis poderão ser vistos no Parque Portugal - Lagoa do Taquaral, em Campinas (26 de setembro a 23 de outubro), no Terminal Rodoviário Intermunicipal, em São José dos Campos (8 de outubro a 4 de novembro), na Orla, em Santos (de 27 de novembro – quando é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Câncer - a 15 de janeiro de 2014), e na Fazenda Experimental Lageado, no campus da Faculdade de Ciências Agronômicas da UNESP, em Botucatu (de 16 de janeiro a 17 de fevereiro de 2014).
Para a abertura da exposição em cada município estão sendo programados eventos de abertura, com bate-papo entre a população e profissionais especializados em oncologia, com o envolvimento de alunos de mestrado e/ou doutorado do A.C.Camargo Cancer Center. Na ocasião, a comunidade local terá a oportunidade de esclarecer dúvidas relacionadas com a doença. "Essas ações refletem nossa missão de difundir o conhecimento científico de forma clara e objetiva para estas comunidades, ressaltando junto a elas a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer", destaca Dirce Maria Carraro, coordenadora de difusão do INCITO.
EXPOSIÇÃO
Em Piracicaba, a abertura da exposição acontecerá durante a campanha antitabagismo que a Secretaria Municipal de Saúde promoverá nesta quinta-feira (29), na Praça José Bonifácio, das 8h às 12h, em comemoração ao Dia Nacional de Combate ao Fumo. Durante o evento haverá um bate-papo entre profissionais especializados em oncologia do A.C. Camargo e a comunidade, para esclarecer dúvidas sobre o câncer.
A mostra ficará na Rua do Porto, em frente ao Casarão do Turismo, até o dia 25 de setembro. Os painéis apresentam de forma lúdica e educativa como prevenir o câncer e abordam os sintomas e fatores de risco para os cânceres de mama, colo de útero, próstata, pele, pulmão, intestino, entre outros.
O objetivo é mostrar ao público que o melhor aliado contra o câncer é a prática de um estilo de vida saudável, que inclua boa alimentação, realização de exercícios físicos, comportamentos e hábitos saudáveis. A ideia é ressaltar que a melhor forma de prevenir o câncer é evitar os fatores de risco como cigarro (responsável por 40% dos casos de câncer), ingestão de bebidas alcoólicas em excesso, exposição desprotegida e excessiva ao sol e dieta rica em gorduras.
SERVIÇO 
Exposição "Câncer: Conhecer para Prevenir" 
Visitação: de 29 de agosto a 25 de setembro 
Local: Rua do Porto, em frente ao Casarão do Turismo - Av. Alidor Pecorari, s/n. 
Realização: INCiTO – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Oncogenômica – A.C.Camargo Cancer Center 
Apoio: Secretaria Municipal de Turismo de Piracicaba 
Informações: 
www.accamargo.org.br
Sobre o A.C.Camargo Cancer Center - Instituição privada sem fins lucrativos criada em 1953 por Antônio e Carmen Prudente, é um dos maiores centros mundiais em prevenção, diagnóstico, tratamento, ensino e pesquisa do câncer. De forma integrada e interdisciplinar, atende cerca de 15 mil novos pacientes a cada ano, vindos de diversas partes do país e exterior. Seu corpo clínico é composto por uma equipe fechada de mais de 500 especialistas, sendo cerca de 200 oncologistas.
Crédito da Fotos: Divulgação da Secretaria de Turismo de Piracicaba


Fontes: 
Conscientize-se! 

Programa de Prevenção Feliz com a Vida.
CAURJ

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

IL-32 é um Marcador Molecular Potencial de Proteção na Tuberculose Humana


Papel da IL-32 na defesa do hospedeiro na tuberculose. Este modelo mostra que a indução de IL-32 por uma via dependente de IFN-gama leva a duas vias distintas em que IL-32 induz aumento da atividade microbiana de macrófagos infectados com Mycobacterium tuberculosis. Os dados do estudo demonstraram que IL-32 pode diretamente induzir a via antimicrobiana dependente de vitamina D. Estudos prévios mostraram ainda que IL-32 induz diferenciação de células dendríticas que por meio de apresentação cruzada ativam linfócitos T CD8+, o que induziria uma resposta antimicrobiana contra o M. tuberculosis. Fonte: Montoya et al., Sci Transl Med, 2014.



Tuberculose é uma doença global que acomete milhões de indivíduos em todo mundo. Entretanto, somente cerca de 10% de indivíduos infectados pelo Mycobacterium tuberculosis desenvolvem a doença ativa.

Pela análise do perfil de expressão gênica no sangue periférico de pacientes com tuberculose, alguns estudos identificaram um grupo de genes capazes de distinguir indivíduos com tuberculose ativa daqueles com infecção latente. Até o momento, a maioria dos estudos identificou genes que estão diferencialmente expressos em doença ativa. Desse grupo de genes, o foco tem sido definir biomarcadores de progressão da doença, onde os genes regulados por interferon do tipo 1 representam uma assinatura gênica relevante. Dessa forma, esse grupo de genes é considerado correlato de risco e patogênese.

Por outro lado, pela escassez de se avaliar com sucesso porque alguns indivíduos estão protegidos pós-imunização e outros desenvolvem a doença, há uma dificuldade de se identificar correlatos de proteção na tuberculose. Cabe ressaltar ainda que fatores que contribuem para a proteção são alvos potenciais promissores para terapias contra o bacilo.

Nesse contexto, em trabalho recente publicado na Revista Science Translational Medicine o grupo liderado pelo pesquisador Robert L. Modlin da Division of Dermatology, David Geffen School of Medicine e Department of Microbiology, Immunology and Molecular Genetics, University of California (UCLA), Los Angeles nos EUA analisou o perfil de expressão gênica de macrófagos do sangue periférico de pacientes com tuberculose ativa e identificou genes correlatos de proteção.

A análise revelou uma associação entre IL-32 e a via antimicrobiana envolvendo vitamina D em uma rede de genes induzida por IL-15 e IFN-gama. A citocina IL-32 induziu peptídeos antimicrobianos dependentes de vitamina D (catelicidina e DEFB4), gerando atividade antimicrobiana in vitro, dependente da presença de níveis adequados de 25-hidroxi-vitamina D. Além disso, a rede de genes de macrófagos induzida por IL-15 foi integrada com comparações pareadas de expressão gênica de cinco grupos diferentes de dados clínicos de tuberculose ativa comparada com tuberculose latente e indivíduos saudáveis.

Em conjunto, as análises identificaram oito genes comuns, incluindo IL-32, como um marcador molecular de tuberculose latente e uma rede gênica induzida por IL-15. Uma vez que a manutenção da infecção latente pelo M. tuberculosis e prevenção de sua transição para doença ativa podem representar uma forma de resistência do hospedeiro, os resultados obtidos identificaram a IL-32 como um marcador funcional e um gene correlato potencial de proteção contra tuberculose ativa, além de ser uma citocina que pode contribuir diretamente também para a resposta do hospedeiro à tuberculose.

Referência

- Montoya D, Inkeles MS, Liu PT, Realegeno S, B Teles RM, Vaidya P, Munoz MA, Schenk M, Swindell WR, Chun R, Zavala K, Hewison M, Adams JS, Horvath S, Pellegrini M, Bloom BR, Modlin RL. IL-32 is a molecular marker of a host defense network in human tuberculosis. Sci Transl Med. 2014 Aug 20;6(250):250ra114. doi: 10.1126/scitranslmed.3009546.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Artur Avila prova que com educação o bicho pega

Vira e mexe voce abre um jornal no Brasil e alguém  pergunta: Quando é que vamos ganhar um prêmio Nobel? 

Acabamos de ganhar um (ou quase, mas tão importante quanto).

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Vi no canto da página do Estadão que Artur Ávila tinha ganho a medalha Fields. Isso, alem de me agradar e me fazer feliz por ele, me transportou pra Califórnia no princípio dos anos 80, onde conheci vários estudantes de matemática. Sujeitos pra lá de brilhantes, o avesso de matemático doido. Um deles era Alexandre Freire, um carioca que  tinha trabalhado com um chinês chamado Yau, em Princeton, e tinha se deslocado com o dito cujo para San Diego. Alexandre tinha vários amigos, o mais chegado era Chepe, um colombiano que como Alexandre, e Artur, era cria do IMPA. Chepe fez uma carreira brilhante, ganhou um prêmio das mãos de Bill Clinton, e morreu muito jovem. Alex continua por aqui, hoje é professor no Tennessee. Eram conversas ótimas, conversávamos sobre tudo, literatura, política, mundo, e sobre as meninas bonitas do campus. E tome estória de matemática, com as geometrias, os espaços, os sistemas dinâmicos. Os problemas, as provas, os mitos. Eu ficava de boca aberta com as conversas. Ali, o Fields Medal era quase uma coisa sacrossanta. Eles falavam com reverência sobre o assunto e falavam muito do IMPA, do grande instituto de matemática no Rio. Uma referência no mundo.

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Mas vamos voltar pro prêmio Nobel... Esse negocio de prêmio Nobel deu muito auê por causa do  Nicolelis. Muita propaganda, muita falação, um certo sentimento de inferioridade com os hermanos, que já abocanharam 3 em ciência, e a síndrome do vira-lata. Muita coisa misturada.  Eu acho que essa discussão na verdade, não é muito importante. O Nobel não é atestado de capacidade. Se fosse assim ingleses e americanos seriam os seres mais capazes do planeta. O Nobel, antes de mais nada, atesta qualidade (e invenção). Um país não se faz com Oscars, prêmios nobeis, etc. Um país se faz com mentes, com educação, com ciência, com descoberta. Ganhar prêmio Nobel, portanto, não deve ser a meta da ciência brasileira. A meta da ciência brasileira deve ser gerar cientistas brasileiros.  O Nobel virá depois disso.  E ajudará a convencer e seduzir mais gente, etc.  

Então escrevam,  o Nobel virá.  

Um dia, alguém ganhará. Talvez um brasileiro que saiu. Isso aconteceu com Milstein, e com muitos cientistas que foram morar fora de casa. Taí uma geração nova. Boto fé neles.  Não somos menos inteligentes que ninguém.

Ou sairá de dentro do Brasil. Mas acho que pra isso acontecer vamos ter que seguir um modelo diferente do que temos. Vamos ter que seguir o modelo IMPA (como provado por Artur).

Artur Avila, sobre o qual a Piauí e Joao Moreira Sales fizeram artigos e um documentário, é um gênio brasileiro mais novo que minhas filhas. Estudou no IMPA, e hoje, alem de ensinar no IMPA,  trabalha num CNRS em Jussieu em Paris. A primeira constatação é que o sujeito teve bons professores. O IMPA deu isso pra ele. A segunda é que ele tem um emprego no Brasil, outro fora. O Hollande disse que era orgulho pra França, palmas pra ela também.

Jacob Palis,  presidente da Academia Brasileira de Ciências, foi diretor do IMPA. Alguma coisa ele e a geração dele fizeram certo. Aprenda-se com isso. Replique-se. Biologia, químicafísica, requerem mais que quadro negro e computadores. Mas o IMPA parece ser aquilo que estava falando outro dia aqui. Um centro de pesquisa sem muita burocracia. Um centro onde as melhores mentes trabalham. Duvi-de-o-dó que tenha eleição pra reitor por lá. Duvido que tenha carga letiva que não acabe mais. Imagino que tenha seus defeitos, suas mazelas. Mas tá aí. Foi o lugar de onde saiu Artur. Uma geração de matemáticos brilhantes gera mais matemáticos brilhantes. O saber do país cresce. 

E um dia um sujeito transforma o mundo. Feito Artur (leiam mais aqui e aqui).

E ganha o reconhecimento devido.

……..

PS. Mandei o texto pra Alex e ele me respondeu. Alguns trechos…

Minha opinião: essa medalha Fields para o Artur Avila, no fundo, é um reconhecimento da comunidade matemática internacional ao valor e importância do IMPA. E essa projeção foi construída metodica e deliberadamente ao longo dos anos, por matemáticos brasileiros que além de nível internacional como cientistas sempre foram muito abertos a formar “conexões".
….
Como instituição científica, o IMPA tem aspectos únicos para atração de talentos: não tem burocracia nenhuma--ninguém pede diploma ou exame, qualquer um pode entrar e assistir aula ou palestra, e tendo talento começa imediatamente a interagir com matemáticos que são líderes internacionais em suas áreas--não só do quadro do IMPA, mas através do programa intenso de visitantes estrangeiros. Eles têm autonomia administrativa, e usam pra criar condições para fazer pesquisa (prioridade número um, sem pedir desculpas) e desenvolver conexões de pesquisa com o exterior, baseadas unicamente em excelência (o país de origem é irrelevante). E, por outro lado, nos cursos não fazem concessões: apresentam a matemática como ela é, em que grande parte do fascínio vem da dificuldade intrínseca, até para quem pensa nesses problemas o tempo todo.
……
O interessante da medalha do Artur Avila (para mim) é que não é um fato isolado, mas reflete o desenvolvimento do IMPA como instituição. Ou seja, um matemático jovem brasileiro fica sabendo que pode estudar no IMPA e eventualmente ganhar uma. E o IMPA é talvez sui generis no Brasil: é o que acontece quando pessoas idealistas e de alto nivel científico tem independência para gerir um instituto de pesquisa sem influência politica, sem nacionalismo estúpido, e unapologetically "elitista" (como a pesquisa matemática em geral.)

A melhor consequência possivel da medalha Fields seria que cientistas no Brasil em outras áreas olhassem com cuidado o IMPA (que historicamente desperta inveja, por exemplo nos físicos) e copiassem/adaptassem o modelo a suas áreas.

Abração,

Alexandre
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