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domingo, 29 de setembro de 2013

Imunologia nas escolas – USP/RP - Segundo encontro: Tema INFLAMAÇÃO



No mês passado, anunciamos aqui no Blog da SBI o nascimento do Projeto Imunologia nas Escolas da USP/RP desenvolvido por alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada e de graduação da Faculdade de Ciências Farmacêuticas e da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto e relatamos sobre a primeira atividade realizada em Agosto, na qual demonstramos  aos alunos o que é imunologia e qual a importância do sistema imunológico e de seus principais constituintes.
Dando continuidade às atividades mensais programadas, no dia 16/09/13 ocorreu o segundo encontro na escola E.E. Otoniel Motta, no qual abordamos o tema Inflamação. Logo no início tentamos estabelecer um ambiente descontraído e informal para que os alunos ficassem à vontade e com total liberdade para interromper, perguntar, acrescentar e até mesmo contar algo.
A dinâmica utilizada pelo grupo para abordagem do tema constituiu-se de 2 etapas. Inicialmente, uma aula teórica expositiva dialogada, na qual conceitos básicos sobre inflamação foram abordados, discutimos por exemplo, o que é inflamação, o que a causa, quais as células envolvidas e os 5 sinais clássicos: Vermelhidão, Calor, Edema, Dor e Perda de função. Como exemplo de inflamação utilizamos a acne, tão comum na realidade de muitos adolescentes. Também falamos sobre a fagocitose. Durante a apresentação da aula algumas pausas foram feitas para ilustração prática de determinados pontos. Utilizamos o recurso do microscópio óptico para demonstrar a formação dos pseudópodes dos macrófagos, e também para a visualização dos mastócitos, células importantes no contexto inflamatório.
A segunda etapa da nossa atividade contou com uma parte bastante divertida e lúdica. Nós utilizamos a dramatização para introduzirmos o conceito de antibiótico, utilizando como exemplo a descoberta da penicilina por Alexander Fleming e para fornecermos uma visão geral do processo inflamatório.
Destacando a Inflamação, construímos um cenário composto pelo vaso sanguíneo e seus constituintes: glóbulo vermelho, plasma e glóbulos brancos (neutrófilo) e o tecido sendo representado  pelo mastócito, macrófago e célula nervosa. Ainda tinha a D. Bactéria, que iniciou a estória causando infecção e resposta inflamatória. Pedimos que os alunos participassem do teatro interpretando o plasma, o glóbulo vermelho e a célula endotelial. Outros alunos participaram durante a apresentação levantando placas que especificavam um dos cinco sinais da inflamação: por exemplo, quando o plasma extravasou do vaso para o tecido o aluno que estava com a placa INCHAÇO/EDEMA tinha que levantá-la. E foi super legal, o interesse dos alunos foi emocionante! Durante a atividade, as questões foram surgindo e nos surpreendendo. E como foi gratificante, a participação dos alunos foi sensacional!
Como balanço geral, nesta segunda atividade de Setembro saímos muito satisfeitos e empolgados. O saldo foi positivo, ficamos muito felizes e motivados com o interesse e a participação dos alunos, e esperamos que nossa modesta experiência possa despertar curiosidade nesses jovens e contribuir para uma educação criativa e instigante.

Parte da Equipe: Composta por professores, alunos da pós e da graduação.

Imunologia nas Escolas USP - Ribeirão Preto
Coordenadores do Projeto:
Profa. Dra. Beatriz R. Ferreira - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP)
Profa. Dra. Fabiani Gai Frantz - Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP)
Profa. Dra. Vanessa Carregaro Pereira - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP)
Profa. Dra. Vânia L. Deperon Bonato - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP)

Equipe da segunda atividade (mês de setembro):
Gisele Locachevic (Doutoranda - FMRP-IBA)
Juliana Toller-Kawahisa (Doutoranda - FMRP-IBA)
Naiara Dejani (Doutoranda - FMRP-IBA)
Micássio Andrade (Doutorando - FMRP-IBA)
Bruna S. Kazitani (Graduanda -  EERP)
Estela R. Cardoso (Graduanda - FCFRP)
Jéssica Alves (Graduanda - EERP)
Jéssica K. Barbosa (Graduanda - EERP)
João Uliana (Graduando - FCFRP)

Post de Gisele Locachevic, Juliana Toller-Kawahisa, Naiara Dejani e Micássio Andrade (FMRP-IBA).

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Find me and eat me – o jeito das hemácias controlarem a inflamação



No artigo publicado na Immunity de 19 de setembro, Ohyagi et al., do Japão,  mostram que na presença de ligantes de NOD ou TLR receptors, ou ainda de infecções virais como a do clone 13, do LCMV (que causa uma infecção aguda e potente em camundongos) as hemácias liberam primeiro ATP, para serem achadas por células dendriticas, e depois expões fosfatidil-serina na membrana, para serem comidas pelas DCs. O ATP extracelular seria reconhecido pelo receptor P2Y2, expresso em DCs e monócitos, mas não em linfócitos B ou T. Os receptores Tim1, Tim4, e αV e β3 integrin, seriam usados para fagocitose. Quando esses receptores todos são engajados a DC faz IL-10. Se vc bloqueia esses receptores, as DCs deixariam de fazer IL-10 com esses estímulos.

As DCs capazes de seguirem essas orientações parecem ser de origem monocitica, e portanto, inflamatórias –elas vêm de monócitos mobilizados da medula óssea a partir de processos inflamatórios. Quando elas fagocitam então as hemácias durante o processo inflamatório, elas fazem IL-10 e isso garante a sobrevivência do hospedeiro, prevenindo o dano inflamatório excessivo e a patologia.  Eles acham inclusive que nessas condições os hemofagócitos, essas DCs que fagocitam as hemácias, seriam a principal fonte de IL-10. Como a IL-10 é importante, né? Será mesmo que é tudo isso?

Achei interessante porque é um jeito inato de controlar a inflamação, numa era em que só pensamos em T regs, e achei que pro pessoal da sepse – hein , Ribeirão? – isso era interessante de olhar. Hemofagocitose normalmente é tido como um sinal de síndrome inflamatória severa, mas neste artigo eles sugerem que seja um sinal de capacidade anti-inflamatória do hospedeiro.
Estou sem grandes insights filosóficos nesta semana, atordoada por trabalho. Mês que vem vou aos EUA e terei intervalos propícios para filosofia! Escreverei de lá, sobre tetrâmeros então. Aproveitem Natal!


domingo, 22 de setembro de 2013

Journal Club IBA: O papel regulador dos neutrófilos nas respostas de células T


Já não é novidade que os neutrófilos são células da imunidade inata que representam a primeira linha de defesa contra patógenos. Com o passar tempo, cada vez mais nos deparamos com trabalhos descrevendo funções inusitadas dessas células. Não foi à toa que, aqui mesmo no blog, nossos colegas já escreveram sobre esse “camaleão da imunologia” (http://blogdasbi.blogspot.com.br/2012/03/journal-club-iba-neutrofilos-o-camaleao.html).
Respondendo a indagação dos nossos colegas “E qual será a próxima forma dos neutrófilos???”, viemos contar a novidade do nosso journal dessa semana. E não é que os neutrófilos migram para os linfonodos?! Pois bem, as primeiras evidências começam a surgir a partir de 2005 com um trabalho publicado na Blood que mostrou uma rápida migração de neutrófilos para os linfonodos drenantes após injeção com BCG (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15886329). Trabalhos posteriores de outros grupos, utilizando diferentes modelos, vieram corroborar esses achados (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16835380; http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18718768). Mas então, qual o papel dos neutrófilos nos linfonodos? Yang e colaboradores (2010 - http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20679530), utilizando modelos de camundongos depletados de neutrófilos ou geneticamente neutropênicos, demonstraram efeitos supressores dessas células em respostas de linfócitos T CD4 e B a antígenos proteicos formulados em adjuvantes. Dois mecanismos foram propostos como responsáveis por essa modulação: o primeiro envolvendo a competição por antígenos pelos neutrófilos e APCs, e o segundo envolvendo uma redução na interação entre células dendríticas (DCs) e linfócitos T.
Foi então que o trabalho tema do journal (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23337807) veio complementar esses resultados demonstrando o papel supressor dos neutrófilos na modulação da magnitude e propagação  das respostas de células T após imunização com antígenos proteicos. Interessante, foi visto que os neutrófilos migram para os linfonodos drenantes em duas ondas distintas (uma via linfa e a outra via sangue) de maneira dependente de prostanóides. Lá eles são as principais células que controlam a saída dos linfócitos T (propagação para os linfonodos distais) através da produção de tromboxano A2. Embora na presença de neutrófilos aproximadamente 75% da resposta fique restrita ao linfonodo drenante, na sua ausência, a maior parte é encontrada nos linfonodos distais. Além disso, o trabalho traz um mecanismo de saída de células dos linfonodos, independente, mas complementar ao já bem descrito via S1P (sphingosine-1 phosphate).
Na verdade, estas novas descobertas também levantam novas questões!!! Tais incertezas incluem o grau de diversidade e plasticidade dos neutrófilos e sua, assim como sua relevância na ativação e regulação de respostas imunológicas adaptativas. Por fim, encerramos novamente com a mesma pergunta: E qual será a próxima forma dos neutrófilos???”.


Figura 1. Esquema representativo do controle da magnitude e propagação da resposta imunológica pelos neutrófilos.




Post de Luciana Chain Veronez e 
Taise Landgraf (FMRP-USP/IBA)


segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Ele tambem pensava assim


Lloyd Mayer foi a pessoa que me recrutou pro Mount Sinai. Ficamos amigos logo, e, ao passar do tempo, ele virou uma especie de irmão mais velho meu. Filho de sobreviventes do holocausto, ele era uma pessoa brilhante, generosa, e alegre. Estudou medicina aqui no Sinai e depois fez um postdoc com Henry Kunkel na Rockefeller. Aos 30 e poucos anos conseguiu seu primeiro emprego aqui. A partir dai acumulou varias posições tais como chefe da gastroenterologia, immunologia clinica e diretor do centro de imunobiologia. Era medico, mas estava interessado em ciencia basica. Mostrou que o epitélio intestinal tambem tem um papel na apresentação de antigenos e caracterizou uma população de celulas CD8 reguladoras no intestino. Alem de cientista tinha um papel importante na politica cientifica. Foi um dos membros mais atuantes no campo de doença inflamatoria gastrointestinal (doenca de Crohn e colite ulcerativa). 

Lloyd me ensinou muita coisa. Aprendi o que sei da medicina academica aqui nos Estados Unidos com ele. Tambem aprendi com ele a estar presente e a dar atenção as coisas importantes.  Era um dos caras mais bagunçados que conheci, fazia tudo de ultima hora, e era especialista em chegar em aeroporto dois minutos antes do avião sair. Tambem fazia uma das piores caipirinhas que eu já tomei. Mas trabalhar com ele era fácil. Muito fácil. Ele acreditava na ciencia basica, queria melhorar a imunologia. Queria entender.  A partir de 2007  dividimos o desafio de estabelecer um Instituto de Imunologia aqui no Sinai.  Era um colega fantástico, um grande amigo.  

Ele morreu semana passada, depois de lutar tres anos com um cancer. Este post descreve um pouco destes tres anos, nossas discussoes e esperanças.
.....
Por volta das 5 da tarde do dia 20 de agosto de 2010, recebi uma chamada da secretaria do departamento pedindo para que eu descesse, porque Lloyd  queria falar comigo. Achei estranho,  ele nunca tinha feito isso antes. Quando queria falar comigo, ligava. 

Ele me chamou pra dizer que tinham diagnosticado, horas antes, um tumor no hemisfério esquerdo do seu cérebro. Que iam operar na manha seguinte. Passei do choque pra ação em questao de segundos...Imediatamente comecei a pensar em conseguir tecido. Tecido pra extrair RNA, pra fazer analise de DNA, tecido pra crescer em cultura, pra injetar em camundongos Rag ou NOD-Scid gamma C. Por sorte tinhamos os bichos. Implantamos o tecido que recebemos da neurocirurgia em varios camundongos, pusemos algo em cultura. O tecido era bastante necrotico, era do centro da lesão. Quando subi pra ver a família, vi o MRI. O tumor era grande sim, estava na area de Broca, a área da fala. O resultado da biopsia na sala era claro e profundamente devastador: glioblastoma multiforme, o pior tipo de tumor cerebral. 

Consultamos nossos colegas. Quem são os melhores medicos nessa area? A escolha acabou em duas pessoas: Howard Fine, do NIH Clinical Center e Henry Friedman da Duke. Friedman ganhou notariedade por ser o medico de Ted Kennedy, que tambem teve um glioblastoma. Lloyd decidiu por Fine. Fui com ele ao NIH. La conversamos com Fine (que hoje esta aqui na NYU). Ele foi atencioso, mas estatistico, seco. Recitou várias numeros e estudos.  O tratamento basico de  glioblastoma consiste em cirurgia, quimioterapia e radiação. O tempo médio de vida e’ de 18 meses. Não tem cura. 

A cirurgia foi o primeiro passo. Pacientes que não fazem a cirurgia sucumbem mais rapido. O cirurgiao sabe dos numeros, sabe que a resecção mais cuidadosa e ampla implica mais dano. Tambem sabe que ao extipar o tumor, ainda ficam muitas células no cerebro. O tumor ao ser diagnosticado ja infiltrou profundamente o cerebro. Abra um saquinho de acucar e o despeje na mesa. Muitos graos vao cair no centro. Outros se espalham muito. Assim é o tumor. Muitas das reincidencias acontecem nas bordas “limpas” do local da cirurgia.

A recuperação dele foi vagarosa. Teve que reaprender a falar. Mas dois meses depois ja estava de volta ao trabalho. Fizemos um retreat do departamento. E ele como sempre fazia, perguntou, provocou.  Em junho de 2011, ele fez 60 anos. Não parou de viajar, foi a varios meetings. Levou a família  ao Marrocos, a China. A nossa program grant foi aprovada e ele escreveu tambem uma training grant cujo resultado soubemos agora. Ganhou tambem.

Em 2012 foi a Israel, e la os tremores das maos se acentuaram, a fala ficou mais difícil. Ao regressar, o MRI foi claro. O tumor voltara. Era começo de dezembro.  Eu sabia que ia comecar a etapa mais difícil. Outras biopsias foram feitas. Pedi pra me ligarem quando tivessem os resultados. Passamos o Natal aqui, esses natais frios de rachar que brasileiro adora. No dia 27  soube que as biopsias foram positivas e me perguntavam se poderíamos “começar a vacina”. O problema e´ que não tinhamos material. Nenhum dos implantes funcionou e as celulas nao cresceram em cultura.

Aquele fim de ano foi difícil. Liguei pra Karolina Palucka pra tentar encontrar um caminho. Conheco Karolina Palucka ha muitos anos. Hoje em dia ela trabalha no Baylor Institute of Immunology, em Dallas, Texas.  Ela é medica, e trabalha em imunoterapia. É craque no que faz. Tem um appointment no nosso Instituto aqui em Nova Iorque. Logo no principio da doença Miriam Merad, Karolina, e eu nos juntamos para discutir uma intervenção imunologica. Tinhamos vivido o drama de outro tumor, em outro amigo. Uma historia que já mereceu um relato detalhado (aqui). 

Jacques Banchereau, SL, Ralph Steinman e Lloyd Mayer. Imm Inst Retreat 2008
Ralph Steinman lutou bravamente com um tumor de pancreas. Desenvolveu sua propria terapia, acreditando nas células que tinha descoberto. O que ele se propunha era boost a sua resposta imune ao tumor, atraves de vacinas com células dendriticas que tinham sido expostas a seu tumor. Uma vez expostas e reinjetadas teriam a capacidade de estimular as células T citotoxicas.  Karolina, Michel Nussenzweig, Jacques Banchereau, e muitas outras pessoas trabalharam pra tentar salvar Ralph. Ele sobreviveu 4 anos e meio. Bem mais que o esperado. Difícil saber se ajudou, pois alguns casos raros tem sobrevida longa, e nos não tinhamos um Ralph controle sem tratamento. Aqui um parentese: não sei sei se a vacinação com células dendriticas sera a solução, mas aposto na imunoterapia é como caminho para o tratamento do cancer.

No comeco, Lloyd não quis imunoterapia. O seu argumento era simples:  “as células T podem causar bystander damage, vejam Ralph, ele tem pancreatite esporadicamente. Pancreas não é essencial pra definir um ser humano. O cerebro é. Eu não quero sofrer dano neuronal”.

Agora a situação era diferente. Precisariamos de todas as armas possiveis. So que não tinhamos tecido. Não tinha jeito,  as células do tumor original não cresceram nos bichos nem em cultura porque pegamos o centro necrotico da lesão. Não tinhamos RNA. Não tinha jeito maneira de reproduzir o experimento de Steinman.

Karolina propos fazermos um sequenciamento do tumor. E comparar com o DNA do sangue. A ideia era tentar descobrir mutações unicas do tumor e desenhar peptideos para imunizar usando DC do sangue dele. Mas, como conseguir material? Não tinhamos guardado nada da segunda cirurgia. Ela propos extrairmos DNA das biopsias. Examinamos as biopsias com a nossa neuropatologista e escolhemos o bloco de parafina correspondente  a biposia onde havia um número grande de celulas tumorais. Cortamos o bloco, extraimos o DNA, e sequenciamos o tumor. O sequenciamento e assembling durou menos de uma semana. O do sangue foi feito a seguir. Contamos com a ajuda de um dos maiores experts do mundo, Eric Schadt, aqui do Sinai. Ele descobriu que o tumor tinha muitas mutações. Muito mais do que tinha sido descrito na literatura. Fomos surpreendidos pelos numeros. Não esperavamos tantas mutações. O que teria acontecido?  Teria sido isso do resultado do tratamento com acido valproico, um  inibidor da histone deacetylase? Função da radioterapia?  Entramos no territorio do desconhecido.  O problematico era o numero de mutações. Tinhamos na mão um numero gigantesco de candidatos. Como selecionar os peptideos? Usar um algoritimo para testar os peptideos com melhor afinidade com o MHC dele? Isso levaria tempo. E quantos peptideos usaríamos? Não teríamos tempo...Partimos para outra opção: farmacogenomica. Foi feita uma analise para saber se poderiamos intervir em alguns dos pathways ativados pelas mutações. Descobrimos tres drogas, mas duas delas ja tinham sido testadas antes e os medicos não se entusiasmaram. A outra era metformin, uma droga usada no tratamento de diabetes. Ele comecou a tomar.  Outras tentativas foram feitas. Peter Palese, chefe da virologia, me telefonou e sugeriu olhar algo com Newcastle disease virus, um virus que tem propriedades oncoliticas. Um grupo em Israel tinha um open trial, mas ele teria que mudar para la, pois o virus seria dado diariamente pela via nasal. Opção descartada. Tambem contactamos varios grupos trabalhando na area de chimeric antigen receptors (Sadelain, Greenberg, June). Não existia nada pronto na area de glioblastoma. Por fim resolvemos discutir o uso de anticorpos anti-CTLA4, para boost a immune response, mas Lloyd recusou, usando o mesmo argumento acima. Nao se conhece nada sobre a resposta imune nesta fase da doença. Talvez tivesse funcionado no começo, mas agora...Depois ele ja estava tomando doses maciças de glucocorticoide, será que o sistema imune responderia?

Já não restavam outras opções. Apesar de todos avanços, a medicina não poderia salva-lo.  Fiquei muito triste em não poder ajuda-lo mais.  Mas ao acompanhar esse caso de uma maneira tão proxima comecei a acreditar que nossa geração verá com certeza, o tratamento e eventual cura de muitos canceres. Ainda precisamos andar um certo chão, mas vamos ganhar essa guerra.

Ele tambem pensava assim.

domingo, 15 de setembro de 2013

JOURNAL CLUB IBA: DISBIOSE DA MICROBIOTA INTESTINAL ASSOCIADA À PROGRESSÃO DO HIV E O CATABOLISMO DO TRIPTOFANO


Sabe-se que a progressão do HIV para a AIDS está associada com ativação crônica do sistema imune, entretanto esse processo não era completamente compreendido. A partir de 2006, Brenchley e colaboradores verificaram que os pacientes que progrediram para a AIDS apresentavam elevadas concentrações de LPS no plasma. A presença do LPS estava associada com a ativação crônica do sistema imune, detectada pelos altos níveis de IFN-α, células TCD8+ (CD38+HLA-DR+) e CD14 solúvel no sangue, indicando que a progressão do HIV para a AIDS está associada com a translocação de produtos microbianos.
As principais causas da translocação são a destruição da barreira epitelial do intestino e a perda de células Th17 da mucosa, produtoras de IL-17 e IL-22, essenciais para a manutenção da homeostasia e da integridade do epitélio, respectivamente. A perda das células Th17 e o aumento das células T reguladoras estão associados ao aumento da expressão da enzima IDO (Indoleamine 2,3-Dioxygenase) e dos catabólitos da via do triptofano, como a kinurenina, gerando a quebra da homeostasia e consequente destruição da barreira epitelial do intestino.
Recentemente, Favre e colaboradores provaram que o “vilão” responsável pela progressão da AIDS não é apenas o HIV. O grupo observou que existe diferença na composição da microbiota intestinal dos indivíduos HIV+ quando comparada aos dos indivíduos soronegativos. Utilizando Phylochip Microrray para fazer um screening das bactérias da microbiota total dos indivíduos, foi demonstrado que existem grupos taxonômicos altamente abundantes associados com a microbiota dos indivíduos HIV+, denominados “disease-associated microbial community- DMC”. Esse conjunto de bactérias está intimamente relacionado com a diminuição da secreção de IL-17 e IL-22 no intestino, ativação de células T no sangue periférico e no GALT, marcadores de inflamação sistêmica (IL-6 e IP-10) e aumento da quinurenina no plasma. Esses fatores em conjunto estão associados com a quebra da homeostasia imunológica da mucosa e a perda da integridade da barreira epitelial do intestino, que culminam na progressão do HIV para a AIDS.
Além disso, foi demonstrado que bactérias que compõem a DMC possuem enzimas homólogas as enzimas da via do catabolismo do triptofano. Portanto, as bactérias da DMC são responsáveis pelo catabolismo desse aminoácido e consequente aumento das quinureninas, favorecendo a translocação de produtos microbianos e ativação crônica do sistema imune. Sendo assim, o grupo concluiu que a disbiose da microbiota intestinal em indivíduos infectados com HIV promove a progressão para a AIDS.

Post de Aline Sardinha e Laís Sacramento (doutorandas - FMRP-USP/ IBA)

sábado, 14 de setembro de 2013

Cas9 e a fantástica fábrica de editar genomas





Que nós imunologistas temos uma certa admiração por animais transgênicos não é novidade. Estes são essenciais para nosso campo de estudo. Contudo, as ferramentas para gerar esses animais nem sempre são fáceis ou econômicas de usar. Em geral, o desenvolvimento de um animal simples knockout, por exemplo, requer o desenho complexo de nucleases para o target e edição do genoma, demanda muito tempo e envolve alto custo.
A edição de genomas tem sido feita tradicionalmente usando metodologias de ZFN (zinc-finger nucleases) e TALENs (transcription activatorlike effector nucleases), técnicas que utilizam nucleases quiméricas e customizadas para atuar em genes específicos. Recentemente, uma terceira ferramenta muito elegante tem sido estabelecida: A tecnologia da Cas9. Promissora e revolucionária a Cas9 já foi eficientemente usada para alterar múltiplos genomas, de bactérias a mamíferos. Além disso, a Cas9 é a proteína central de um dos sistemas CRISPR-Cas, que tem sido descrito como o primeiro sistema imune adaptativo e herdável descoberto em procariotos. Interessante não? Vamos por partes.
Em 1987 pesquisadores descobriram uma estrutura curiosa no genoma de bactérias E. coli. Um locus constituído por sequências repetidas de 29 pares de bases “interespaçadas” por sequências variáveis de 32 nucleotídeos conhecidas como ”espaços”. O locus foi chamado de CRISPR (clustered regulary interspaced palindromic repeats). Ninguém deu muita importância para o CRISPR nos próximos quinze anos até que o advento do sequenciamento dos genomas de bactérias e vírus mostrou que os “espaços” eram sequências compatíveis com fagos e plasmídeos, velhos vilões das bactérias. O fato intrigou os cientistas. Pouco tempo depois foram descobertas as primeiras evidências de que o CRISPR estava envolvido em sistema de proteção altamente conservado em procariotos (45% das bactérias e 90% das arqueas contem o CRISPR loci). Como o CRISPR está colocalizado com genes Cas, este sistema ficou conhecido como CRISPR-Cas.


Fig. 1 Elementos básicos do sistema CRISPR-Cas.


O sistema CRISPR-Cas é dividido em três tipos principais (tipos I,II e III) e pode conferir imunidade em três fases. A primeira fase é a de adaptação, onde novas sequências obtidas de fagos ou plasmideos invasores são integradas aos espaços do CRISPR. A segunda fase, expressão, os genes Cas são transcritos e traduzidos em diferentes proteínas da família das Cas. Nessa fase também é transcrito o CRISPR, gerando um RNA precursor, o pré-crRNA, que é posteriormente processado gerando crRNA maduros. Por fim, na fase de interferência, o complexo ribonucleoproteico formado por pelas proteínas Cas e pelo crRNA:tracRNA de interferência  é guiado ao DNA invasor promovendo a clivagem de sequências específicas complementares ao crRNA. Além do mais, como todo bom sistema imune o CRISPR-cas consegue diferenciar o próprio do não-próprio. Tal propriedade se deve ao requerimento do PAM (polindromic adjacent motif), uma sequência específica de nucleotídeos que é reconhecida pelo complexo de nuclease na fase de interferência.

  
 Fig. 2 Fases da imunidade conferida pelo sistema CRISPR-Cas.


Mas por que o sistema CRISPR-Cas, responsável por defender bactérias doentes, virou o epicentro de uma revolução em marcha na tecnologia de “engenheirar” genomas?
A resposta está na Cas9. A Cas9 é a proteína de assinatura do sistema CRISPR-Cas do tipo II. Ela é necessária para maturação do pré-crRNA em crRNA e também é a proteína responsável pela clivagem do genoma alvo na fase de interferência. Em 2011 dois grupos independentes mostraram que a Cas9 é uma nuclease, uma enzima especializada em clivar DNA, que atua em seus alvos usando dois diferentes domíneos. Cada domíneo de nuclease cliva uma das fitas do DNA dupla hélice. Assim, a Cas9 sozinha é capaz de clivar sítios específicos do DNA guiada por uma combinação dupla de RNA de interferência (tracrRNA:crRNA).
Em 2012 Jinek e colaboradores (Science, ago/2012) descobriram como sintetizar um RNA quimérico (sgRNA), combinando propriedades do tracrRNA e do crRNA, capaz de reprogramar a Cas9 purificada de Streptococcus pyogenes. O grupo teve sucesso em clivar sequências específicas in vitro usando os complexos sintéticos. Este estudo levantou a incrível possiblidade de um ferramenta eficiente para edição gênica, versátil e programável constituída por uma única proteína e um RNA sintético. A previsão se confirmou. Em janeiro de 2013 quatro grupos de pesquisa reportaram a utilização da Cas9 para deletar genes específicos em células humanas, iniciando uma verdadeira  “mania CRIPR” (Science, Ago/2013). A partir de então, diferentes grupos tem usado o CRISPR-cas tipo II purificado de bactérias para para deletar, inserir, ativar ou reprimir genes específicos em bactérias (Nature. Mar/2013), células humanas (Science. Fev/2013), zebrafish (Nature. Mar/2013), em camundongos (Science. Fev/2013 ) e mais recentemente, em plantas ( Nature Ago/2013 ). Apenas no mês de agosto/2013,  a tecnologia da Cas9 foi foco de quatro artigos originais da Nature, um Science, além de uma série revisões e comentários nas principais revistas de divulgação cientifica.


Fig. 3 A Cas9 é uma endonuclease guiada RNAi contendo uma sequencia alvo.


O que torna a Cas9 elegante e um dos tópicos mais quentes da biotecnologia no momento é o fato dela ser uma endonuclease guiada por um RNAi que pode, a princípio, editar qualquer tipo de genoma - desde que atendidos os requerimentos básicos. Além disso, comparativamento a Cas9 parece ser tão ou mais eficiente para editar genomas do que metodologias de ZFN e TALENs (Science, Fev/2013). A tecnologia da Cas9 dispensa o desenho customizado de novas nucleases para cada novo gene de interesse. Por outro lado Já existem software livres que permitem o desenho de novos sgRNA (single-guide RNA) para qualquer sequencia gênica. Com a Cas9, cientistas agora podem criar modelos animais de doenças humanas mais rápido do que antes, estudar genes individuais com maior agilidade e facilmente alterar múltiplos genes com o objetivo de estudar suas interações e funções. A Cas9 é uma ferrramenta e, portanto, tem suas limitações. Mais estudos são necessários para resolver algumas questões importante em torno da atividade da proteína, por exemplo, o quão específico o sgRNA é para seus alvos evitando a ocorrência de off-target?
Por fim, um dos exemplos mais relevantes do uso dessa tecnologia para nós imunologistas é a construção de animais knockout em tempo e a um custo sem precedentes. Diversos grupos neste momento estão usando a Cas9 para gerar esses animais. O tempo para gerar um novo knockout total antes da Cas9 era em média de seis a 12 meses. Agora é possivel gerá-los entre quatro a cinco semanas, em condições otimizadas. Durante meu estágio no laboratório do professor Dr. Richard Flavell (Yale University) nos útimos dois meses (como participante do programa “2013 summer research fellowship program ” em parceira da Yale University com a clínica médica da FMRP/USP) eu mesmo pude acompanhar como essa metodologia trouxe perspectivas para um série de novas construções. Até mesmo arrisquei criar meu próprio camundongo mutante - que deve estar para nascer. A Cas9, devido seu custo e simplicidade, trás boas opotunidades para países/institutos de pesquisa que ainda não dominam a tecnologia para criar seus próprios knockouts.
É de se pensar: Por que não usarmos a Cas9 para gerarmos nossos próprios transgênicos ? E assim diminuir ,em partes, a dependência do exterior para o fornecimento de certos animais. Isso certamente geraria maior autonomia em nossas pesquisas e agilizaria a publicação de novidades made in Brazil. Por que não?

 Referências:



Post de Rodrigo Pereira de Almeida Rodrigues (Mestrando, IBA – FMRP-USP)

                                                         


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