sexta-feira, 17 de setembro de 2010

EVOLUÇÃO DA IMUNIDADE ADAPTATIVA DAS MUCOSAS


As imunoglobulinas, glicoproteínas sintetizadas por vertebrados como anticorpos contra diversos antígenos, foram descobertas a mais de um século, mas ainda continuam a fascinar os pesquisadores. Estudos sobre imunoglobulinas em espécies filogeneticamente divergentes contribuíram grandemente para a compreensão de suas estruturas, funções e origens evolutivas. Esses dados favoreceram uma melhor percepção sobre a evolução do sistema imune adaptativo. A imunidade adaptativa surgiu, pela primeira vez, a cerca de 550 milhões de anos atrás, juntamente com o aparecimento dos peixes sem mandíbula, os mais antigos vertebrados vivos. Os peixes ósseos (teleósteos), que correspondem à maioria dos peixes atuais, são os vertebrados mais primitivos que contêm anticorpos. Ao contrário de mamíferos e aves, essas espécies são desprovidas de IgA ou um equivalente funcional que esteja envolvido nas respostas a patógenos de mucosa. Essa observação sugere que a especialização de isotipos de imunoglobulinas nas mucosas e em respostas sistêmicas ocorreu durante a evolução dos tetrápodes. Anteriormente acreditava-se que os teleósteos possuíam apenas IgM, mas há cinco anos foi descrito um novo subtipo de imunoglobulina nesses peixes, nomeado IgZ (immunoglobulin-zebrafish) ou IgT (immunoglobulin-trout ou –teleost) (1), marcando um momento especial na compreensão da história evolutiva dos anticorpos. Hoje, sabe-se que, em contraste à IgM tetramérica, IgT encontra-se na forma monomérica no soro, porém, apresenta-se abundantemente no muco intestinal, como polímero, semelhante à IgA humana, indicando que essa imunoglobulina primitiva tenha se especializado na imunidade das mucosas. Na mucosa intestinal de trutas arco-íris, observou-se uma grande quantidade de bactérias revestidas por IgT, porém, sua função permanece um enigma (2). Como as imunoglobulinas IgT e IgA estão distantes filogeneticamente, a sua especialização imune nas mucosas provavelmente ocorreu de forma independente por um processo de evolução convergente. Esses achados desafiam o paradigma vigente de que a especialização de isotipos de imunoglobulinas de mucosas e de respostas sistêmicas surgiu durante a evolução dos tetrápodes. Teorias apontam para a interação do sistema imunológico, altamente complexo, com comunidades microbianas comensais, como uma força motriz para a geração da imunidade adaptativa. A geração dessa diversidade, resultante do mecanismo de rearranjo de genes, foi destacada e atribuída a Deus pelo cientista Martin F. Flajnik (3).

Os interessados podem acessar os papers originais:

1. Flajnik MF. The last flag unfurled? A new immunoglobulin isotype in fish expressed in early development. Nat. Immunol. 2005 Mar;6(3):229-30.

2. Zhang YA, et al. IgT, a primitive immunoglobulin class specialized in mucosal immunity. Nat Immunol. 2010 Sep; 11 (9): 827-35.

3. Flajnik MF. All GOD´s creatures got dedicated mucosal immunity. Nat. Immunol. 2010 Sep; 11 (9): 777-9.

postado por Fernanda Agostinho Rocha

Um comentário:

  1. Só gostaria de ressaltar que, no final, o 'deus' que Flajnik cita é a sigla para GENERATION OF DIVERSITY. Portanto, o cientista não atribuiu a Deus essa diversidade de imunoglobulinas. E sim às pressões evolutivas que preservam a imunidade mucosa e sistêmica.

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